Overbooking. O pesadelo do jogo de cadeiras que deixa muitos em terra

Viajar é, hoje em dia, muito mais acessível a qualquer pessoa do que há muitos anos atrás. Mas há quem fale do início de um verdadeiro inferno para chegar ao céu

Com cada vez mais pessoas a viajar um pouco por todo o mundo, há cada vez mais episódios de cancelamentos, atrasos nos voos ou até situações de overbooking. A vida dos passageiros é, de uma forma geral, muito mais difícil do que era há uns tempos atrás. Há quem fale de um autêntico pesadelo que vai desde descobrir que bagagem se pode levar aos cada vez mais exigentes controlos de segurança. Além disso, ter lugar marcado e check-in feito está longe de ser sinónimo de levantar voo.

É cada vez mais comum encontrar quem tenha ficado em terra, mesmo depois de tudo apontar para o embarque. Os exemplos são cada vez mais frequentes e é fácil encontrar quem os possa contar na primeira pessoa. Sónia, por exemplo, estava preparada para fazer a viagem de Lisboa para Londres pela Ryanair. Mas nada correu como previsto. “Fui impedida de embarcar com destino a Londres (Stansted) por uma colaboradora da Ryanair, depois de ter feito check-in e de ter passado o serviço de fronteiras. Cheguei à porta de embarque uns minutos antes do fecho de portas, mas impediram-me a passagem, assim como a de outros viajantes. Na altura fiz uma reclamação por escrito e fui obrigada a comprar um novo bilhete noutra companhia e a assumir todos os custos.”

Ainda hoje, Sónia não sabe se algum dia vai receber o dinheiro do bilhete. “Nem me devolveram o dinheiro de meio bilhete porque acabei por não fazer a viagem, nem me deram os 200 euros que tive de pagar pelo lugar na outra companhia. Ainda hoje estou à espera que a minha situação se resolva.”

Também Mónica, assistente de bordo, tem várias histórias para contar. “As companhias podem não ter meios para receber os passageiros, mas não querem perder a hipótese de os ter, mesmo sem condições. Aceitam bookings, mas depois corre tudo mal.”

Depois de ver centenas de pessoas “ficarem para trás” por causa de situações de overbooking, chegou a vez de ser Mónica a ver o bilhete que tinha não lhe valer de nada. “Ia voar pela TAP para apanhar o avião da companhia para a qual trabalho e acabei por ter de ficar na porta de embarque em stand-by. Os voos estavam pagos pela minha companhia e ainda tinha um voo de ligação, mas não quiseram saber. Ofereceram-me dinheiro para ficar em terra. Não havia lugares.”

Também Filipa, habituada a viajar em trabalho, conta uma das piores experiências que teve e que aconteceu com uma viagem que implicava fazer escala. “Tinha um voo pela Turkish Airlines, com conexão em Istambul, mas como apanhei o avião em Lisboa já muito tarde, não consegui apanhar o seguinte. A Turkish foi obrigada a arranjar outro voo e, como não havia para esse dia, tiveram de arranjar também hotel para eu poder passar a noite. Mas foi horrível ter ficado para trás, com compromissos no destino, por uma falha que não foi minha.”

Mais azar tiveram Pedro e Inês. Decidiram-se por uma viagem romântica à Indonésia, mas nada correu como previsto. “Tínhamos comprado um voo de Londres para a Indonésia, com escala, pela Qatar Airways. Mas só mais tarde é que comprámos o voo de Lisboa para Londres, pela TAP. O voo atrasou várias horas e perdemos os nossos da Qatar”, começa por recordar Pedro, acrescentando: “A TAP não teve de providenciar nada porque não eram voos conjuntos. Apenas tinha de nos indemnizar pelo atraso, mas não tinha nada a ver com a viagem que tínhamos perdido e a Qatar também não tinha nada a ver com o atraso da TAP. Resultado: para irmos, tivemos de comprar novos bilhetes, mais de 1000 euros para os dois. Fora o que já tínhamos pago pelos voos que perdemos.”

Histórias que se repetem, ainda que com contornos diferentes, em companhias diferentes. Recentemente, o assunto tornou-se particularmente polémico, depois de David Dao ter sido arrastado pelo avião porque se recusou a abandonar o lugar, numa cena que ficou gravada em vídeo e gerou uma violenta onda de indignação. Por essa altura, apareceram mais casos também eles referentes à United Airlines que, apesar de ter pedido desculpa pelo caso mais recente, parece ser reincidente no mau atendimento e na gestão do overbooking.

Antes do caso que chamou a atenção do mundo, um outro passageiro garante que foi igualmente forçado a abandonar o avião, sob ameaça de ser expulso com recurso a algemas. O passageiro em questão, Geoff Fearns, garante ter pago mais de 940 euros por um bilhete em primeira classe para fazer a ligação entre o Havai e Los Angeles. Já estava sentado quando foi informado de que teria de sair. Tal como David Dao, recusou. Mas, de acordo com o “Los Angeles Times”, teve de ceder depois de ameaças várias. Acabou por viajar em económica e, depois de ter pedido uma indemnização, recebeu apenas um pedido de desculpas. A sugestão de compensar a diferença entre a tarifa económica e a primeira classe apenas aconteceu uma semana depois, mas uma indemnização ficou fora de questão. Geoff Fearns admite agora avançar com uma ação em tribunal contra a United Airlines.

No entanto, estes exemplos são apenas a ponta do iceberg.