Henry Marsh, neurocirurgião: ‘Gastamos demasiado dinheiro a tentar manter pessoas muito velhas com vida’

Já terá feito cerca de 15 mil cirurgias, tendo sido um dos primeiros a operar o cérebro com o paciente acordado. Aos 67 anos, Henry Marsh pratica exercício todas as manhãs, trabalha em part time, dá palestras, escreve artigos para a imprensa, pratica carpintaria e ainda cuida das suas abelhas em Londres. Continua a operar…

Em Inglaterra, quando terminam o curso de medicina, ainda fazem o juramento de Hipócrates?

Não! Se ler o Juramento de Hipócrates verá que é ridículo… Não tem nada a ver com medicina moderna.

No seu livro diz que em muitos casos é preferível deixar a pessoa morrer…

Mais cedo ou mais tarde todos teremos de morrer. Em países como a América, onde acham muito difícil deixar de ter esperança, pode-se gastar rios de dinheiro e obter muito poucos resultados. É fácil desperdiçar dinheiro na medicina. E se gastarmos todo o dinheiro a tentar manter pessoas muito velhas com vida não teremos nenhum para coisas igualmente importantes, como educar as crianças.

Nunca testemunhou algum tipo de milagre?

Sou um cientista, não sou uma pessoa supersticiosa. Houve momentos em que tive muita sorte. Já me aconteceu cometer um erro que em circunstâncias normais teria consequências catastróficas e, por alguma razão, não houve problema. Mas a experiência diz-me que é mais frequente ter más surpresas do que boas surpresas. Não acredito em milagres, não acredito em nada sobrenatural. Mas acredito na sorte. Boa ou má sorte.

Neste seu livro colocou em epígrafe uma frase de La Rochefoucauld: ‘Nem o sol nem a morte podem ser olhados fixamente’. Deve ter visto muitos pacientes condenados…

Como médico vejo a morte a toda a hora. Mas é algo que acontece aos pacientes, não a mim. À medida que envelheço e depois de me reformar, comecei a aperceber-me de que eu próprio me tornarei um desses pacientes e vou morrer. E é muito difícil pensar na morte. A morte em si, para mim, não é nada. Mas a forma como morremos pode tornar-se um grande problema, como tento descrever nos meus livros. O meu pai teve a doença de Alzheimer durante dez anos. Era um advogado ilustre, um dos fundadores da Amnistia Internacional, morreu com 96 anos, era um corpo oco. Foi muito triste ver isso. Alguns pacientes têm sorte, são fulminados por um ataque cardíaco e caem mortos, outras pessoas morrem em circunstâncias horríveis. No final deste livro discuto a questão da morte assistida. Penso que em Inglaterra devíamos ter as mesmas leis que na Holanda, Bélgica, Suíça e alguns estados americanos. Não se trata de autorizar os médicos a matar pessoas – se os pacientes quiserem pôr um fim rápido à vida, os médicos deviam poder dar o comprimido necessário. E ao que parece funciona muito bem nesses países.

Acha que prolongamos a vida artificialmente demasiadas vezes?

Constantemente. Particularmente na América o excesso de tratamento é um grande problema. Há muitas razões para isso: uma delas é o paciente não ser realista, muitas vezes a família não é realista, e frequentemente os médicos evitam conversas difíceis. Se uma pessoa está num lar, tem demência, apanha uma pneumonia, é mais fácil dar-lhe antibióticos do que chamar a família, sentá-los e dizer-lhes: ‘Talvez seja altura de deixar o seu pai, mãe ou avó morrer’. É mais fácil dar-lhe antibióticos e mandá-los embora.

Atul Gawande conta que no início da carreira tinha pesadelos em que os pacientes que não tinha conseguido salvar estavam com ele na cama.

Eu nunca tive. Na formação tradicional passamos um ano na Escola de Medicina a dissecar cadáveres. Em teoria é para aprender anatomia – o que se poderia fazer através de um livro ou de imagens – na prática é mais um rito de iniciação.

É uma forma de destreinar a sensibilidade?

Sim. É um cadáver, e depois? É assim que superamos a nossa repulsa pelos cadáveres. Eu continuo a detestar autópsias – não assisto a nenhuma há muitos anos! Sempre detestei, enquanto alguns colegas meus estão muito contentes a trabalhar como patologistas e fazem autópsias todos os dias e isso não os incomoda nada.

Leia a entrevista completa no SOL deste sábado