Uma crise à alemã

Em bonança económica e a começar o quarto mandato consecutivo, Merkel vê-se obrigada a tentar uma chave inédita no país.

Uma crise à alemã

Angela Merkel perdeu vencendo. Ganhou o voto com uma vantagem de 12 pontos para o segundo lugar, será chanceler pela quarta vez consecutiva e por tantos anos quantos os do seu mentor, Helmut Kohl, e o seu partido ocupará de longe o maior número de assentos no Bundestag.

Mas perdeu em quase tudo o resto. O seu partido irmão CSU entrou em dúvidas existenciais ao perder dez pontos para as últimas eleições na Baviera; os social-democratas de Martin Schulz afundaram-se tanto que registaram o pior resultado na história do partido e recusam-se agora a renovar a coligação com Merkel; os liberais do FDP ficaram muito longe de, a sós, poderem construir uma coligação de Governo;e, de tudo o mais grave, o partido nacionalista bateu as expectativas, venceu 13% dos votos, é agora o terceiro partido no país e passa de não ter quaisquer deputados no Bundestag a mais de 90 assentos. Pela primeira vez desde 1945, os extremistas estão no Parlamento.

Quase tudo nisto complica a vida de Merkel, que tem agora de entrar por águas nunca antes navegadas na política nacional alemã e formar uma coligação com os liberais do FDP e os ecologistas dos Verdes, dois partidos que não se entendem em muitos temas, não concordam com a CDU de Merkel noutros e discordam noutros tantos mais com a CSU. Trata-se da solução Jamaica, dadas as cores dos partidos envolvidos.

É também uma crise que a chanceler alemã nunca teve de enfrentar e nos últimos anos se avistou acima de tudo nos países mais a sul da Europa, muito graças ao caos económico que lá se instalou em 2008. Merkel, em todo o caso, já deixou saber que não tem pressa e que as negociações podem demorar meses. A Holanda, por exemplo, afirmou Merkel numa conferência de imprensa, ainda não tem Governo e já passaram seis meses desde as suas eleições. «Não sou o caso mais urgente», garante a chanceler.

A verdade é que a incerteza política alemã em nada se compara à de outros países europeus. A começar pela economia.

O gabinete de estatística alemã anunciou na sexta-feira que a taxa de desemprego caiu para um novo mínimo histórico e é de agora 5,6%, algo que nunca foi registado desde a reunificação. Os economistas reviram até as taxas de crescimento económico em alta: 1,9% do Produto Interno Bruto este ano e 2% para o próximo, registando orçamentos com superavit também em patamares recorde para 2017 e 2018.

Por outras palavras: a crise não é um caos, por difícil que possa vir a ser combinar as agendas de um partido ecologista com ideais de esquerda, uma formação liberal com preferência por um mercado mais livre e não um, mas dois partidos de democracia cristã preocupados com a ascensão de uma formação nacionalista que parece ter aproveitado a sua ida para o centro.

O maior perigo, como escrevia sexta-feira no "Financial Times" o colunista Philip Stephans, pode até residir numa resposta demasiado conservadora: «A preocupação não é a de a Alemanha ser atropelada pela extrema-direita, mas que os seus líderes políticos no centro se voltem para si mesmos em resposta à AfD. Em última análise, a timidez calculada de Merkel custou-lhe o apoio na campanha. A complexa construção de alianças que as eleições exigem pode tentá-la a repetir o erro».

Nacionalismos

Merkel não dá por enquanto sinais de o fazer. Sexta-feira, na Cimeira Europeia em Tallin, a chanceler alemã não fez caso das hesitações no Partido Liberal no que diz respeito às reformas europeias e disse concordar com a maioria das propostas apresentadas esta semana por Emmanuel Macron, muitas das quais podem causar uma pequena revolução na ordem da União Europeia.

A chanceler, aliás só recebeu boas notícias desde o dia das eleições: embora os social-democratas não estejam a repensar uma aliança, as sondagens mostram que os alemães preferem na maioria a solução Jamaica; Wolfgang Schäuble, o seu ministro das Finanças, aceitou sair do cargo e dirigir o Bundestag, deixando aberto um lugar supostamente desejado pelos Liberais; e, em terceiro lugar, os nacionalistas viveram somente uma noite de júbilo, visto que na segunda-feira o partido explodiu numa guerra que lhe consome aquilo que devia ser o seu momento de celebração e expõe algumas das dificuldades que os próximos quatro anos lhes podem reservar. 

Em frente às câmaras de televisão e sem o conhecimento dos outros líderes do Alternativa para a Alemanha (AfD) na mesa de conferência de imprensa, Frauke Petry anunciou que não se iria sentar com os outros membros do partido no Bundestag e anunciou pouco depois que se demitiria do cargo de líder do partido, que sob ela – e contra a sua vontade – encarnou as mais radicais vestes de partido xenófobo, racista, antimigração e profundamente anti-islão.

Por todos estes títulos, porém, a AfD convenceu os alemães como nenhum outro de que está preocupado com a sua segurança e fez valer o argumento de que a entrada de mais de um milhão de requerentes de asilo pode provocar uma grave crise de identidade.

Mas à medida que os refugiados conseguem emprego e aprendem a língua, e, sem o seu grande álibi, o partido nacionalista cai em mais profundas crises internas, a vida nacional da AfD pode revelar-se mais curta do que os piores receios dão a entender.