A grande vitória de Assunção Cristas (e o fim do portismo)

Portas costumava dizer: “Eu penso à direita para governar ao centro”. Cristas, por sua vez, preferiu falar à esquerda por saber que não governaria de todo​.

Acima dos dois dígitos, mais do que o dobro de Paulo Portas e à frente do PSD com uma diferença que outros julgavam a percentagem que teria sozinha. Indiscutivelmente, Assunção Cristas sai vencedora da noite autárquica. O modo como subtraiu o PSD da luta pelas duas maiores cidades do país mostrou estratégia política: não quis uma coligação com os sociais-democratas em Lisboa, que a “obrigava a ganhar” e não chegaria para isso, nem quis abdicar do apoio a Rui Moreira no Porto – confirmando-se também hoje a certeza dessa aposta.

Em menos de dois anos de liderança, Cristas consegue esse impensável. Furtar eleitorado moderado a um PS que não se importa de namorar as esquerdas e também a um PSD em desgaste. O apelo de Portas, há uns dias, a alguma “esquerda desiludida” explicitou o objetivo. Fazê-lo em autárquicas é outra amostra de boa estratégia: se Jorge Sampaio sobreviveu à hegemonia nacional do cavaquismo refugiando-se na política local, nada impede Cristas de fazer o mesmo perante os sucessos do atual governo de António Costa.

Internamente, os descontentes ficam obrigados a maior recato, sendo impossível o grupo parlamentar não rejubilar com o número. Este resultado em Lisboa não significa apenas a permanência a médio prazo de Cristas na liderança do partido, mas também um laivo de esperança numa bancada que tinha razões para recear as próximas legislativas.

Importa, nesse sentido, esclarecer algo sobre a leitura do sucesso de Assunção Cristas. Para proporcionar números desta ordem, o eleitorado lisboeta não votou só “no CDS”: votou “na Assunção”. Havendo certamente quem tenha votado na Assunção “apesar de” ser líder do CDS. Ora, isto não é bom nem mau, é factual. A transposição dessa tendência para eleições nacionais é algo dúbia por outras tantas razões. Não se conquistam votos a Costa ou a Passos com a mesma facilidade com que se conquistam votos a Medina e a Teresa Leal Coelho.  

Cristas fez uma campanha em torno de “ação social” e infraestruturas (as tais vinte estações de metro até 2030); programa dificilmente repetível em eleições legislativas porque é o governo do PS que já fala em agenda infraestrutural “para a década”, já defende a ação social como “prioridade”, possui a vantagem da incumbência e não se cansará de relembrar ao povo que Cristas foi “ministra da austeridade”.

No antigamente, Paulo Portas tinha uma máxima que não se esquece: “Eu penso à direita para governar ao centro”. Cristas, por sua vez, preferiu falar à esquerda por saber que não governaria de todo. Também no antigamente, o CDS definia-se como “um partido institucionalista”, duvidando eu que “vestir calças de ganga” para ir a bairros ou coser botões no Facebook tenha muito a ver com essa definição. Trocar a identidade partidária por tática eleitoral, claro, não é uma novidade. Foi António Costa que inaugurou esse desfile. Chamam-lhe geringonça. E resulta.