Justiça fiscal

No passado dia 15 de setembro, um dos matutinos madeirenses anunciava um buraco de 23 milhões de euros no tesouro da Região Autónoma da Madeira (RAM) diretamente relacionado com a saída de grandes empresas do Centro Internacional de Negócios da Madeira (CINM).

O turismo estabilizará em breve a sua geração de receitas e a falta de recursos naturais cuja exploração seja economicamente viável obrigam a RAM, quer esta queira, quer não, a voltar-se para o setor dos serviços transacionáveis com base na vantagem competitiva a nível da fiscalidade e da estruturação de investimento.

A implementação de sistemas fiscais regionais, independentes do sistema nacional, é uma realidade que tem que ser defendida por todo o espectro político português, não só em virtude do condicionalismo geo-económico e social que condiciona as regiões ultraperiféricas, mas sobretudo por uma razão de ‘justiça fiscal’.

 Não é justo que os contribuintes continentais sejam obrigados a suportar parte dos orçamentos das Regiões Autónomas, em cerca de 13%, no caso da Madeira em 2017. É humilhante que, tanto madeirenses, como açorianos sejam obrigados pela República a dependerem orçamentalmente desta.

 Também não é justo que os contribuintes continentais sejam obrigados a contribuir com dinheiro dos seus impostos sempre que as finanças das Regiões Autónomas sejam mal geridas quando estas retêm legalmente e justamente toda a receita gerada no seu território.

Está na altura da República tomar uma posição fiscal, como tomou com Macau, e permitir que as Regiões Autónomas, através da Constituição e dos respetivos Estatutos Político-Administrativos, possam ‘legislar sobre elementos essenciais do regime tributário, estabelecendo a incidência e a taxa de cada imposto e fixando os termos em que podem ser concedidas isenções e outros benefícios fiscais’.

Se as Regiões Autónomas estivessem dotadas de plenos poderes a nível fiscal, para de uma forma rápida e eficiente desenvolver as suas economias insulares sem depender da conjuntura política da ‘metrópole’, a classe política das mesmas seria diretamente responsabilizada pela gestão orçamental. Por outro lado, com o fim das transferências do Orçamento de Estado, o Governo da República teria mais recursos disponíveis para alocar aos seus distritos.

Ainda que a existência de três sistemas fiscais no mesmo país exija alterações legislativas significativas e um período de transição para as Regiões Autónomas e para a República, tal não é impossível. Países como o Reino Unido, Países Baixos, Dinamarca, Suíça, e China (e Portugal quando administrava Macau), possuem diferentes sistemas fiscais, estanques ou quase-estanques, em diferentes divisões administrativas do seu território, regulados entre si com acordos de dupla tributação

Sistemas fiscais regionais completamente independentes de um sistema a nível continental, para a Madeira e os Açores, funcionariam como uma ferramenta de desenvolvimento para combater: períodos de estagnação económica caracterizados pela monopolização turística da economia; o agravamento de carga fiscal em regiões com sobre custos de transporte; o endividamento do setor público regional e o desemprego associado à emigração.

Miguel Pinto-Correia, Economista