Pedro Santana Lopes. “A Cultura é uma prioridade para a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa”

Desde a Igreja ao Museu de São Roque, passando pela Biblioteca e pelo Arquivo Histórico, o património da Misericórdia de Lisboa combina os legados do passado com o compromisso de um futuro melhor.

Se o património cultural da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML) e a sua preservação sempre foram prioritários para a instituição – que continua a receber doações de beneméritos que lhe confiam os seus bens – a promoção da Cultura também é um importante eixo de atuação. As palavras são do provedor, Pedro Santana Lopes, que criou uma direção de Cultura responsável pela preservação e divulgação do legado cultural. 

Quais são os principais desafios culturais da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa?

Respondendo aos desafios dos tempos de hoje, empenhamo-nos, diariamente, na conservação do nosso património artístico, histórico e documental, valorizando-o e preservando-o, e honrando a confiança de beneméritos, a quem muito devemos e colocando-a à fruição pública.

De que forma tentam honrar esse compromisso?

Por exemplo, e por forma a fazermos chegar a Cultura a todas as idades e a todos os públicos, organizamos mensalmente uma diversidade de atividades gratuitas para crianças, jovens, adultos e famílias, que decorrem nos vários espaços patrimoniais de que dispomos, tais com a Igreja e o Museu de São Roque, o Convento de São Pedro de Alcântara, o Convento de Santos-o-Novo e o Hospital de Sant’Ana.

Que obras destaca entre o património edificado da Santa Casa?

O Museu e a Igreja de São Roque são, efetivamente, símbolos maiores do património cultural da Misericórdia de Lisboa que tenho de destacar. A igreja é uma verdadeira joia da arquitetura quinhentista, com tesouros do Barroco, como a capela de São João Baptista, restaurada primorosamente em 2012. Por outro lado, foi na Igreja de São Roque que o Padre António Vieira pregou muitos dos seus sermões. 

Que é, aliás, uma das figuras a quem continuam a prestar homenagem, contribuindo dessa forma para preservar o seu legado histórico.

Sem dúvida, mas não é a única. A Santa Casa vem prestando várias homenagens a esta figura ímpar da cultura nacional, seja através do apoio à publicação de sua obra, numa coleção inédita de 30 volumes, seja através da abertura de um concurso para conceção de uma estátua daquele a quem Pessoa chamou “o imperador da Língua Portuguesa”, recentemente inaugurada no largo Trindade Coelho. Voltando ao Museu de São Roque, um dos primeiros a ser criado em Portugal, e detentor da exposição permanente da instituição, é uma referência em arte sacra, contemplando o seu acervo obras tão diversas como pinturas, imagens de santos, ourivesaria, relicários, mobiliário e paramentos religiosos, de que se destacam naturalmente o tesouro da Capela de São João Batista e uma invejável coleção de arte oriental. A Galeria de Exposições Temporárias, inaugurada em 2014, e situada junto à sacristia da Igreja de São Roque, é outro espaço onde procuramos inovar e surpreender, convidando o público a visitar exposições, que conciliam o património ancestral com o contemporâneo. Ainda agora, no início de setembro, encerrou uma exposição que celebrava os 500 anos da primeira edição impressa do Compromisso da Confraria da Misericórdia, que contou com a presença de obras de museus internacionais, como os do Vaticano ou o da Arte Sacra Teruel. 

Além dos dois espaços que destaca, o leque de lugares expositivos da SCML está prestes a alargar-se com a abertura de um novo museu.

Sim, que vem ao encontro da tal promessa de honrar com os compromissos assumidos com aqueles que, ao longo de séculos, vêm confiando à Misericórdia de Lisboa os seus bens. Recentemente, e fruto da generosidade de um colecionador particular, a instituição integrou uma coleção de arte asiática, constituída por artefactos de várias civilizações milenares da Ásia. Com esta aquisição, deparamo-nos com um duplo desafio: o de disponibilizar esta coleção à fruição do público e o de estabelecer pontes com o Museu de São Roque, já que este último dispõe de um núcleo de arte oriental que é exemplo das relações estabelecidas entre o Ocidente e o Oriente. 

Está também em curso a construção do auditório, pela mão do arquiteto Souto Moura. 

Sim, outra obra de que muito nos orgulhamos. Terá capacidade para 200 pessoas e o seu formato, moderno e ousado, inspira-se nas antigas máquinas fotográficas. É como se fosse um miradouro sobre Lisboa, com um vidro através do qual se vê a cidade, da colina de São Vicente ao castelo de São Jorge. 

Além da abertura de novos espaços, a SCML continua a empenhar-se no restauro das igrejas.

Exemplos disso são a recuperação da igreja da Conceição Velha, o novo teto da igreja de Santa Isabel e a reabilitação das capelas de Nossa Senhora do Monte e de São Roque dos Carpinteiros de Machado. Com o mesmo intuito de conservar e valorizar, criámos, em parceria com a União das Misericórdias Portuguesas, o Fundo Rainha D. Leonor, ultrapassando, neste caso, os limites geográficos da capital, e chegando aos vários pontos do país, através do apoio às misericórdias de norte a sul, sem esquecer as ilhas. 

Qual é a importância do Arquivo Histórico para a instituição?

O Arquivo Histórico é o guardião da nossa identidade. Os tesouros, que escrupulosamente preserva, permitem-nos saber quem somos, continuando a crescer e a renovar a nossa missão, fiéis ao Compromisso, assumido há mais de cinco séculos, de por em prática as 14 obras de Misericórdia, e levando a esperança aos que mais precisam. Já a Biblioteca, aberta ao público, possibilita o acesso a recursos bibliográficos e a documentos que se debruçam sobre as áreas em que a instituição atua, cabendo ao Centro Editorial o lançamento de coleções que perpetuam o trabalho da instituição e que homenageiam todos aqueles que fazem parte da sua história.

Valorizam também, através de vários programas, o panorama musical. Porquê?

Sim, também a música nacional é igualmente valorizada por todos nós, porque acreditamos que é nossa obrigação dar oportunidade a quem não a tem. Rasgar horizontes é a nossa forma de estar, extravasando a missão que nos foi incumbida, alargando o nosso raio de ação e apostando em respostas pioneiras, em todas as áreas em que intervimos. A Cultura não é, portanto, exceção nesta procura de novas abordagens, novos públicos, novas experiências, designadamente promovendo a acessibilidade a todos. Daí o apoio que damos aos festivais de verão, que acontecem a nível nacional, ocasião em que, no palco Santa Casa, novos talentos têm a possibilidade de mostrar o seu valor. Além da novidade e da inovação, continuamos a desenvolver iniciativas culturais já consagradas, onde também se reafirma a aposta no que se faz a nível nacional. É o caso da temporada “Música em São Roque”, que vai este ano na sua 29ª edição, e cuja programação inclui música de compositores portugueses contemporâneos e de séculos passados, destacando-se os concertos inteiramente dedicados à música portuguesa, além do concerto inaugural do Coro Gulbenkian, que muito nos honra. Saliento o facto de esta iniciativa ter um ADN específico, por promover, simultaneamente, a divulgação da música e de músicos portugueses; a audição moderna de compositores nacionais que têm ficado esquecidos nos arquivos históricos e a aposta em novos talentos, que acontece no último dia da temporada, reservado a escolas de música.

Quais são as principais aspirações da SCML do século XXI?

Acredito e tenho esperança num século XXI mais solidário, mais inclusivo, mais justo. É isso que nos move. E é nesse sentido que caminhamos todos os dias.