‘Ainda aqui estamos’

Pedir mais Europa num país que ainda associa a Europa à austeridade e pedir menos Estado a um povo apaixonado pelo Estado é um projeto com a página rasgada antes de ser escrita – e é por isso que poucos ambicionam redigi-lo.

O partido não o esperava e isso notou-se: no próprio, nos próximos, nas alternativas e nos herdeiros. A hecatombe política do Partido Social Democrata não foi o resultado das eleições autárquicas deste mês, não mais do que foram as consequências das legislativas de 2015. A hecatombe começou com a saída de Pedro Passos Coelho.

O ainda líder do PSD não se recandidatará e isso deixa questões em aberto. Para quem vai o partido e para onde vai a direita. Nos últimos dias, temos assistido a uma digna e variada apresentação de respostas. As páginas dos jornais encheram-se de quem pede um PSD assumidamente liberal – pela redução da carga fiscal –, um PSD recentrado e “social-democrata”, não sabendo depois explicar em que divergiria do atual governo, e até uma direita mais conservadora. Pedir mais Europa num país que ainda associa a Europa à austeridade e pedir menos Estado a um povo apaixonado pelo Estado é um projeto com a página rasgada antes de ser escrita – e é por isso que poucos ambicionam redigi-lo.

Como escrevia José Pacheco Pereira, há cerca de 12 anos e em prosa amplamente citada, “duvido que hoje alguém consiga ganhar uma eleição propondo o fim do conforto providencial, mas isso remete para a perda de margem de manobra democrática, face ao crescendo demagógico”.

Podem dizer-me que foi assim que se ganharam as legislativas, mas eu continuo a achar que Pedro Passos Coelho teve três sortes: o eleitor apartidário não confiava ainda no PS pós-Sócrates (e hoje, olhando as autárquicas e as sondagens, já confia); a incumbência, que nunca deixou um primeiro-ministro que cumprisse mandato falhar a primeira reeleição, e a campanha eleitoral amadora que António Costa fez em 2015.

Hoje, já não estamos em 2015 e o PSD já não pode dizer que ganhou as eleições. Perdeu-as. E a batalha passou a ser não deixar o Partido Socialista chegar à maioria absoluta em 2019. Rui Rio é uma boa solução para esse problema; não por inviabilizar a vitória do PS, mas para completá-la caso Costa necessite. Outro artigo de Pacheco Pereira, amigo de ambos, lança o convite: “Deviam [Costa e Rio] falar entre si, às claras, sem disfarces, entenderem-se em tudo o que se podem entender – e muito é – e depois dirigirem-se aos seus partidos e ao país, numa atitude coerente com a ideia que ambos têm de que o país está mesmo numa situação de emergência nacional”. Há, no entanto, uma geração que já nos tirou desse contexto de “emergência nacional”, que foi liderada por Pedro Passos Coelho e que nada tem a ver com a dupla de Pacheco.

Nomes como Pinto Luz, Taborda da Gama, Saraiva Matias ou Leitão Amaro, que ascenderam a secretários de Estado com Passos, e também Poiares Maduro e Miguel Morgado, que com ele estiveram em governo. Independentemente de quem for o próximo presidente do PSD, essa geração – que não tem ajustes de contas pessoais, partidários ou governativos por fazer – deve ser preservada. Tem de pontualmente vir dizer à praça “nós ainda aqui estamos” e há quem defenda que deve começar a dizê-lo agora. “Nós ainda aqui estamos”. Não deixaria de ser um ato de coragem.