A independência segue dentro de momentos, Espanha ataca amanhã!

Puigdemont proclamou a independência da Catalunha. No entanto, suspendeu os seus efeitos para que seja possível, através da mediação internacional, separar-se a bem de Espanha. Amanhã, Mariano Rajoy vai às cortes e deve suspender a autonomia catalã e tomar o poder na região

Quando o presidente do governo da Catalunha, Carles Puigdemont, proclamou a “República independente da Catalunha”, os milhares que escutavam junto ao Arco do Triunfo aplaudiram em delírio, mas quando afirmou que a declaração ficava suspensa, nos seus efeitos, para que houvesse possibilidades de dialogar com o governo espanhol, as pessoas fizeram um gélido silêncio. Quarta-feira, se nada de extraordinário do ponto de vista militar tiver acontecido, Mariano Rajoy vai às cortes espanholas, e esta decisão não o deve impedir de suspender a autonomia, com os votos do Partido Popular no senado, e tomar o poder na Catalunha. 

O dia começou diferente, no café “O Paraíso”, um lugar real e simbólico com um dono espanholista, que tem um filho independentista. A conversa não saía da independência. A mulher que estava ao balcão dizia que se fosse feita a Declaração Unilateral de Independência (DUI) se ia embora. Colombiana com passaporte espanhol afirma que quer ser europeia. “Se a Catalunha sair de Espanha, não a deixam ficar na União Europeia”, suspira. Garante que muita gente foi tirar dinheiro do Sabadell e da Caixa com medo que fossem à falência. O facto tem uma certa graça, porque os bancos em questão já retiraram as sedes sociais da Catalunha, e que essas pessoas com medo da independência acabam por estar a fazer a mesmas coisas que os municípios e organizações independentistas, que retiraram dinheiro, como protesto, dos bancos que abandonaram a Catalunha.

A mulher que trabalha em “O Paraíso” é nova,  chama-se Susana, mas lembra-se de outras latitudes e da sua Colômbia natal, em que os guerrilheiros das FARC iam comer pão à aldeia da sua avó. “Naquele tempo os guerrilheiros eram bons e defendiam o povo, depois a droga veio estragar tudo”, diz. Não acredita que aqui onde vive haja esse tipo de violência. Mas tem medo. O desconhecido dá-lhe muito medo.

No dia em que foi declarada a independência, Barcelona parecia suspensa. Junto do Arco do Triunfo concentravam-se os primeiros independentistas. Eram algumas centenas de estudantes. Ainda não eram duas da tarde e os acontecimentos políticos do dias só aconteceriam às 18 horas (17h em Portugal continental), na verdade, só chegaram uma hora e picos mais tarde.

Dois catalães conversavam. Ambos se chamam Josep, um tem 75 anos e o outro pouco passa os 20 anos. Garantiam-me que não se iria declarar a independência nesse dia. “As coisas têm que ser feitas passo a passo”, dizia o Josep mais novo. “Não pensam que as pessoas que votaram no referendo de 1 de outubro, sob cargas policiais, vão achar que foi muito sacrifício para nada”, perguntei. O mais velho explicou-me com infinita paciência, de quem há muito tempo anda nisto, “não, fizemos mais um esforço. Puigdemont vai suspender a declaração de independência e depois forçar os espanhóis a negociar”, argumentou. “A Europa vai obrigá-lo”, acrescentou o mais novo.

“Em Espanha, do ponto de vista eleitoral, pode render a Rajoy o conflito com os catalães, mas não é bom para a economia, nem para a Europa”, desenvolveu o Josep, de cabelos brancos, que não tinha, como o outro, uma t-shirt do Harry Potter.

Passados uns minutos chegaram os tratores. Na semana passada, vieram centenas, agora vieram apenas 30 para Barcelona. Um dos últimos a chegar foi Salvador Riera. “Demorei duas horas e meia para cá chegar, são cerca de 30 quilómetros entre a minha terra e Barcelona”, contou-me o agricultor. Salvador esperava ver declarada a independência logo, “esperei a minha vida toda por isso”. E se não for? “Eu ainda sou jovem, tenho 50 anos, o pior é para o meu pai que não a vai ver”. O pai anda por aqui?  “Claro”, responde-me Salvador a sorrir: “conduzia o primeiro trator”.

O parlamento estava cercado pelos Mossos d’Esquadra. Dentro do recinto só se entrava com autorização, entre eles, cerca de mil jornalistas, 358 dos quais estrangeiros. Tudo à espera da chegada do presidente do governo catalão. Dezenas de câmaras de televisão e operadores acotovelavam-se numa espera que se estendia e prolongava. Os partidos independentistas estavam reunidos. Pelo que se dizia, a CUP não aceitava que não houvesse na intervenção de Puigdemont uma referência à “proclamação da independência”, apenas aos resultados do referendo e à suspensão dos seus efeitos, em busca de uma mediação internacional ou nacional para negociar com o governo espanhol, segundo garantia o jornal “La Vanguardia”. Uma espécie de compasso de espera, que permitiria não proclamar as palavras proibidas e tentar evitar que, Rajoy, na sua ida às cortes espanholas, anuncie a promulgação do artigo 155, que extingue a autonomia. Segundo me dizem fontes da Assembleia Nacinal Catalã (ANC), pode ser um recuo que pode sair caro: “vamos presos na mesma, e não esticamos a corda até ao fim”. Um argumento que parece bater certo com o facto de nesta terça-feira a Guarda Civil tenha pedido aos juízes que congelem as contas dos movimentos sociais independentistas, Omnium Cultural e ANC. Cujo crime é organizar manifestações pela independência.

Quando Puigdemont sobe à tribuna vai com uma hora de atraso. Na sua intervenção, conta o papel que a Catalunha teve no estabelecimento da democracia em Espanha e o facto de terem os catalães acreditado que a Constituição de 78 era um ponto de partida e não um ponto de chegada. Faz a conta aos agravos recentes com Madrid, quando 88% do parlamento catalão votou um novo Estatuto da Catalunha, e que este foi ao parlamento de Madrid, tendo sido amputado de muitos dos seus pontos, ainda assim foi referendado pelo povo da Catalunha. Nessa altura, 47% foram às urnas, 1.895.000 votaram nesse texto. “Menos do que os que votaram neste referendo de 1 de outubro”, lembrou sob aplausos. “Nem assim ele foi aprovado. Os catalonofóbicos levaram o texto ao Tribunal Constitucional, um órgão constituído por juízes nomeados pelo PP e PSOE, que chumbou o texto e o deturpou completamente. Este é o texto que hoje somos obrigados a seguir”, declarou. 

A partir daí a sociedade catalã, segundo Puigdemont, percebeu que já não havia espaço no Estado espanhol para os catalães. “Nós gostamos de Espanha e dos espanhóis, queremos uma relação melhor, mas quando uma relação não funciona, não é possível obrigar-nos a continuar”. Não é possível continuar com um país que tem “um governo que agride e persegue as pessoas por quererem simplesmente votar”, sublinhou.

No início da sua intervenção o presidente da generalitat agradeceu a toda a gente que se mobilizou, no processo político nos últimos tempos. Agradeceu às pessoas que participaram no referendo, na greve geral, mas também “àqueles nossos concidadãos que se manifestaram massivamente, há poucos dias, pela unidade com Espanha. A todos agradeço é importante este pluralismo de opiniões”, e sublinhou, que “na Catalunha somos gente que quer fazer as coisas em paz e democraticamente”.

Os dias que se seguem vão mostrar que o governo de Espanha não entendeu este discurso como um ramo de oliveira. No fim dele, ficou-se a saber que Rajoy vê a declaração do líder catalão como uma proclamação de independência .