A guerra de sucessão

No rescaldo das autárquicas ‘nacionalizadas’ – e quando a artilharia política e mediática se concentrava no PSD, quase omitindo o desastre do PCP -, Pedro Passos Coelho decidiu fechar um ciclo e passar o testemunho, enquanto Jerónimo de Sousa prepara o mesmo sem dar nas vistas, e dá sinais de que os comunistas não estão…

No rescaldo das autárquicas ‘nacionalizadas’ – e quando a artilharia política e mediática se concentrava no PSD, quase omitindo o desastre do PCP -, Pedro Passos Coelho decidiu fechar um ciclo e passar o testemunho, enquanto Jerónimo de Sousa prepara o mesmo sem dar nas vistas, e dá sinais de que os comunistas não estão agarrados à ‘geringonça’.

Ao desistir de se recandidatar à liderança do PSD, Passos Coelho deu de bandeja a António Costa (e a Ricardo Salgado) a alegria que lhe faltava. Os ‘patrulheiros de serviço’ na net – que vêm já do tempo de Sócrates – exultaram e exercitaram os ódios habituais. E os seus adversários internos, de Manuela Ferreira Leite a Marques Mendes e Pacheco Pereira, saborearam a ‘recompensa’ pelo ‘trabalho de sapa’ nas tribunas mediáticas que gerem.  

António Costa ganhou por interpostos autarcas. Mas celebrou e viveu a vitória como se fosse inteiramente sua. E não foi, embora não lhe faltassem razões para senti-la como desforra – dois anos depois de ter sido obrigado a ‘trepar o muro’ para salvar a pele.

Nessa noite de desânimo, em que tudo parecia comprometido com o afundamento do PS nas legislativas, não se ouviu ninguém a pedir a cabeça de Costa em direto nas televisões, como aconteceu agora nas autárquicas – com Manuela Ferreira Leite, Marques Mendes ou Pacheco Pereira. 

Pelo contrário, o discurso enigmático de Costa, proferido com um sorriso não menos enigmático para um derrotado, foi então tratado nos media com pinças, enquanto nos bastidores ganhava forma a ‘geringonça’.   

Bem diferente foi a sorte de Passos Coelho e do PSD. 

O tom ficou dado pelos ‘comentadores’ de serviço nas televisões. E no dia seguinte as manchetes dos jornais oscilavam entre A derrocada, no Público, o PSD esmagado na noite da afirmação de Cristas, no DN, ou Costa arrasa Passos, no Correio da Manhã. Títulos fortes, escamoteando, contudo, o profundo revés do PCP, com um terço das câmaras perdidas, algumas tão emblemáticas como Almada, Barreiro ou Beja.   

Manuela nunca perdoou a Passos ter perdido a liderança do PSD, que exerceu sem rasgo. Cedo se percebeu que procurava na televisão ajustar contas com o passado, de braço-dado com Mendes e Pacheco, todos ressentidos e admiradores confessos do ‘jogo de cintura’ de Costa.  

Nestas autárquicas não se jogou um jogo único. Havia, de facto, dois campeonatos a decorrer em simultâneo. Um aproveitava o aconchego da política para garantir emprego e alguma notoriedade no bairro. Outro procurava a legitimação falhada em 2015. Ou a libertação da sombra de Portas, no caso de Cristas. 

O discurso (escrito) de António Costa foi dominado por duas mensagens bem pouco subliminares: a primeira, para dentro do partido, enfatizando a «maior vitória da história do PS», como contraponto às vitórias de António José Seguro por «poucochinho». A segunda foi para os parceiros da ‘geringonça’, em especial para o PCP, com um paternalismo tocante: «A nossa vitória não é derrota de nenhum dos parceiros parlamentares». Os jornais gostaram.

A ‘geringonça’ precisava destas eleições como de ‘pão para a boca’. Mas correram muito mal ao PCP, enquanto o Bloco, sem nenhuma presidência, fez a festa com uma dúzia de vereadores dispersos. 

Jerónimo tem os dias contados à frente do Partido Comunista. 

Esteve por um fio no Congresso. Não vai longe. Arménio Carlos controla a força sindical e não se fará rogado para lhe suceder. O eurodeputado João Ferreira representa a ‘nova vaga’ do partido. É uma revelação política e promete subir na hierarquia. Ambos estão na linha de partida para disputar a sucessão.    

Entre os vencidos, Passos desfez depressa o tabu, evitando a crucificação que ainda não saíra do adro. Imitou Guterres e sacudiu o ‘pântano’.

Houve brandura na forma como exerceu a oposição, e cometeu erros estratégicos. Nestas eleições e não só. Teve culpas por ter permitido que Costa ‘revertesse’  as responsabilidades do Governo socialista, de que fez parte, na bancarrota de 2011 e na austeridade que se lhe seguiu.

Teve ainda culpas por não ter sido mais vigoroso na denúncia das incompetências somadas do Governo em Pedrógão Grande e em Tancos, com um primeiro-ministro ausente, de férias, a banhos.  

Ao não querer ser suspeito de ‘aproveitamento político’, Passos ofereceu ao Governo um ‘suplemento de alma’.

Mas teve coragem ao negar o patrocínio do Estado ao BES falido e a Ricardo Salgado, um ex-banqueiro que a Justiça tarda em julgar. 

A guerra da sucessão vai ser animada no PSD e no PCP. Longe do público na família comunista. E um ‘saco de gatos’  na família social-democrata. 

Entretanto, a dívida pública derrapou em agosto para um nível recorde superior a 250 mil milhões de euros. Mas que importa para festa?