Catalunha ilegal

O Rei de Espanha proferiu uma declaração com inédita firmeza, censurando a atuação das autoridades da Catalunha, classificando-a de ilegal e contrária ao estado de Direito. O que revela a gravidade da situação. O referendo do passado dia 1 de Outubro foi acompanhado de violência nas ruas, intervenção policial e uma enorme controvérsia sobre a…

O Rei de Espanha proferiu uma declaração com inédita firmeza, censurando a atuação das autoridades da Catalunha, classificando-a de ilegal e contrária ao estado de Direito. O que revela a gravidade da situação.

O referendo do passado dia 1 de Outubro foi acompanhado de violência nas ruas, intervenção policial e uma enorme controvérsia sobre a real dimensão dos conflitos, que foram utilizados pelos separatistas e seus apoiantes pelo mundo para sublinhar a intransigência do Governo espanhol, colocando-o no plano dos regimes que impedem a autodeterminação dos povos. Esta interpretação está longe de ser consensual, havendo mesmo quem afirme que as imagens dos confrontos foram manipuladas, de modo a que os manifestantes parecessem em maior número, e a violência mais grave do que foi na realidade.

Do ponto de vista do direito interno, poucas dúvidas restam sobre a ilegalidade do referendo e de quaisquer atos subsequentes. O Tribunal Constitucional declarou o referendo inconstitucional e suspendeu o funcionamento do Parlamento Catalão, assim impedindo a adoção de uma resolução unilateral de independência.

Deste modo, todo o processo de independência tem seguido um procedimento absolutamente contrário ao direito espanhol, pelo que não pode, internamente, produzir quaisquer efeitos. É nesse sentido a declaração do Rei, acrescentando que uma atuação à margem do estado de Direito não pode vingar em Espanha, nem em qualquer outro país civilizado. Isto porque, a partir desse momento, as regras deixam de ser respeitadas e instala-se o caos, não ficando garantidos nem os direitos individuais. Por outro lado, para quem pense que a sua declaração é exagerada, o Rei não deixou de referir as consequências que a independência da Catalunha poderia ter para a estabilidade económica e social em Espanha. E, quem valoriza a dimensão dos confrontos no passado fim-de-semana, não pode ignorar as consequências que uma sua generalização poderia ter em Espanha, na Península Ibérica e na Europa.

Com efeito, a instabilidade em Espanha teria efeitos devastadores em Portugal. As duas economias estão profundamente interligadas, e o bom momento económico que por cá se vive também se deve, em larga medida, ao comportamento da economia espanhola.

A União Europeia tem sido hostil a movimentos independentistas em regiões de Estados Membros. A questão não é inédita, tendo-se colocado no referendo pela independência da Escócia. As autoridades europeias avisaram os escoceses de que um eventual voto pela independência determinaria a saída imediata da Escócia da União Europeia, que, posteriormente, teria de se submeter a um longo processo de readmissão, do qual não deveria esperar facilidade ou rapidez. Este argumento pesou no resultado do referendo uma vez que os escoceses, ao contrário dos britânicos, são maioritariamente pró-europeus, o que pode suscitar novamente a questão da sua independência face ao Brexit.

Em qualquer caso, a questão catalã é muito diversa da escocesa. Desde logo, porque o referendo na Escócia foi legitimado e reconhecido pelas autoridades do Reino Unido, e o Catalão considerado absolutamente ilegal. 

A posição quer das entidades europeias, quer dos demais Estados Membros tem sido a não ingerência nos assuntos internos de um Estado, o que implica que a questão da independência da Catalunha deve ser tratada no quadro no direito constitucional Espanhol, não podendo os Estados-membros reconhecê-la.

No entanto, o direito internacional tem evoluído no sentido de uma crescente ingerência da comunidade internacional em questões internas, sobretudo quando estejam em causa direitos humanos. 

A este propósito, não pode ser esquecida a posição da comunidade internacional no caso do Kosovo. Aí se verificou uma declaração unilateral de independência, contrária ao direito Sérvio, mas reconhecida por diversos países, dos Estados Unidos à Alemanha. Mas não Espanha, justamente pelo que isso poderia significar face aos movimentos independentistas internos. A questão da legalidade internacional da declaração foi colocada ao Tribunal Internacional de Justiça, que a considerou em conformidade com o direito internacional.

Significa isto que uma eventual declaração unilateral de independência da Catalunha, não obstante contrária ao direito Espanhol, pode vir a ser considera válida pelo direito internacional?

Para que isso aconteça, é necessário reunir duas condições:

a) O entendimento de que os órgãos internos da Catalunha deliberaram validamente;

b) O reconhecimento da Catalunha como Estado independente pela comunidade internacional.

Face à Constituição espanhola, não se vê como o referendo possa ser considerado válido, e, olhando às reações da comunidade, o entendimento comum parece ser o do não reconhecimento da independência. O que aponta para uma situação em que a Catalunha fica enredada na sua própria ilegalidade, sem apoio da comunidade internacional e arrastando Espanha para a instabilidade económica e social.