As investigações que vão nascer da Operação Marquês

Salário de Sócrates pago por uma empresa de Lalanda e Castro – a DynamicsPharma – e a ligação de Granadeiro ao saco azul do GES são duas das novas investigações

Há 15 novas investigações que vão nascer do processo da Operação Marquês. Além disso, o Ministério Público proferiu nove despachos de arquivamento, que abrangem alguns dos arguidos do processo que não foram ontem acusados nem vão continuar sob investigação. É o caso de Joaquim Paulo da Conceição, administrador do grupo Lena, e do advogado João Serra, que alegadamente fez a ponte entre Granadeiro e José Dirceu, durante o negócio entre a PT e a Oi. Já outros arguidos, tanto acusados ontem como outros que não o foram, serão investigados nos processos autónomos entretanto desencadeados. O i revela alguns destes casos.

Granadeiro com investigação autónoma

O caso do saco azul do Grupo Espírito Santo (GES) – onde está envolvido Henrique Granadeiro, ex-chairman da Portugal Telecom (PT), por suspeita de branqueamento de capitais – é visado numa das 15 certidões extraídas da Operação Marquês. Ou seja, vai dar origem a uma investigação autónoma à Operação Marquês.

Em causa estão seis milhões de euros dos 24 milhões que recebeu da Espírito Santo Enterprise, o saco azul do Grupo Espírito Santo (GES). Em março, o Ministério Público fez saber, através de uma nota informativa, que Granadeiro “fez chegar cerca de seis milhões de euros através de uma operação de triangulação de fundos de origem ilícita”.

O MP acredita que, entre 2007 e 2010, o chairman da PT aceitou tomar decisões estratégicas na operadora portuguesa – que passaram pelo chumbo da OPA da Sonae, a cisão e criação da PT Multimédia, a venda da Vivo à Telefónica e a compra da Oi – para satisfazer os interesses do GES.

Durante a investigação, o MP reuniu provas de que Ricardo Salgado, líder do GES e também acusado na Operação Marquês, terá pago cerca de 49 milhões de euros aos gestores da PT: 24 milhões de euros a Granadeiro e 25,2 milhões de euros ao então presidente executivo, Zeinal Bava. Estes pagamentos coincidem com as tomadas de decisões na PT.

Segundo ordenado de Sócrates investigado à parte

Outra das investigações autónomas que vão nascer do processo da Operação Marquês diz respeito ao segundo salário de José Sócrates, sabe o i. Em causa está a remuneração que o ex-primeiro-ministro terá recebido através da DynamicsPharma, empresa de Paulo Lalanda e Castro com a qual Sócrates já tinha celebrado um contrato, sendo consultor da Octapharma.

Os procuradores decidiram extrair uma certidão deste segundo vínculo de Sócrates com empresas de Lalanda e Castro para investigar os alegados crimes relacionados com tráfico de influências junto das autoridades venezuelanas e argelinas.

No início de 2013, José Sócrates começou a trabalhar para a multinacional farmacêutica austríaca Octapharma, como consultor da empresa para a América Latina. O seu ordenado era de 12 mil euros mensais. No entanto, o antigo primeiro-ministro precisava de mais dinheiro para fazer face à sua vida de luxo, considera o MP. Como queria deixar de receber quantias em numerário de uma forma tão explícita, criou um esquema com o patrão da Octapharma para receber mais verbas.

Este plano passava pela criação de um segundo “ordenado” de 12 500 euros brutos. Os investigadores suspeitam que este salário era nada mais nada menos do que uma contrapartida financeira paga pelo grupo Lena pelo tráfico de influências exercido por José Sócrates junto das autoridades argelinas e venezuelanas, com as quais tinha criado fortes ligações desde a altura em que assumiu funções políticas. Neste esquema, Lalanda e Castro também receberia uma contrapartida financeira por facilitar a elaboração do plano.

Direitos televisivos com investigação autónoma

O Ministério Público decidiu abrir também um processo autónomo para investigar a atividade da empresa Walton, que está ligada a negócios suspeitos de direitos televisivos de futebol.

Os procuradores decidiram extrair uma certidão sobre este caso para aprofundar a investigação, tendo indícios de que José Sócrates, através dos dois testas- -de-ferro Carlos Santos Silva e Rui Mão de Ferro, é “acionista oculto” de um negócio de direitos televisivos da Liga espanhola.

Uma das pistas que alertaram os investigadores foi um cheque de 2,7 milhões de euros emitido pela sociedade Partrouge Media SGPS – de Miguel Pais do Amaral – que acabou nas contas de Santos Silva.

O cheque foi passado à Walton Grupo Inversor, sociedade espanhola ligada a Rui Pedro Soares (ex-administrador da PT e presidente da SAD do Belenenses), tendo sido endossado a favor de Carlos Santos Silva. O dinheiro seria uma parte dos seis milhões de euros pagos pela Partrouge pela compra da Worldcom, detentora dos direitos de transmissão televisiva para Portugal dos jogos da Liga espanhola.

Os investigadores têm ainda indícios de que terá sido Rui Pedro Soares a conduzir e a levar este negócio ao conhecimento de Carlos Santos Silva, tendo em conta que é “completamente estranho” ao seu universo empresarial. O testa-de-ferro de Sócrates terá assumido apenas um papel de investidor.

As verbas de Carlos Santos Silva para financiar a compra dos direitos televisivos terão tido origem numa conta no BESI em seu nome.

O facto de parte do dinheiro da compra ter ido parar às contas de Santos Silva, bem como as movimentações financeiras do negócio, levou os investigadores a concluírem: “Carlos Santos Silva e José Sócrates eram acionistas ocultos da Worldcom.”

De acordo com documentação a que os investigadores tiveram acesso, em 2011, Carlos Santos Silva e Rui Mão de Ferro fizeram várias deslocações a Barcelona, onde está sediada a Walton. As despesas de avião e de alimentação foram suportadas pela XLM e “em nada têm que ver com a atividade” da empresa.

Joaquim Conceição deixa de ser arguido

Já o administrador executivo do grupo Lena Joaquim Paulo Conceição deixa de ser arguido no processo Operação Marquês. O MP decidiu ontem proferir um despacho de arquivamento sobre os indícios que ligavam o administrador ao inquérito da operação.

Joaquim Conceição tinha sido ouvido pelo MP em 2016 na qualidade de arguido sob suspeita de ter sido um dos peões de Sócrates para ocultar o recebimento de luvas. Mas, no seguimento das suas declarações, passou a testemunha. Quase um ano depois, em março de 2017, os procuradores voltaram a mudar o estatuto do administrador para arguido. Agora, com o despacho de acusação, salta de vez da lista dos implicados na Operação Marquês.

O administrador das empresas de Leiria estava ainda ligado a um negócio fictício em Angola entre Hélder Bataglia (acusado) e o grupo Lena, que serviu para fazer chegar à esfera de Sócrates oito milhões de euros – verba que é parte do total das luvas que Sócrates terá recebido pelo seu envolvimento nas três fases do processo dos negócios da PT que arruinaram a telefónica portuguesa, apontam os procuradores.

O negócio fictício consistia na venda de um terreno da Lena, conhecido como Kanhangulo, que foi adquirido pela Eninvest, uma entidade alegadamente associada a Hélder Bataglia, suspeito de ser responsável pelo saco azul do BES Angola.

O nome de Joaquim Paulo da Conceição surge ainda ligado a um outro esquema. Com a morte do irmão de José Sócrates, a 3 de agosto de 2011, foram acumuladas dívidas por um carro alugado (Audi A5). O valor em causa era de 30 mil euros, que deveriam ser pagos à Rentlei, uma empresa de rent-a-car do grupo Lena.

Por indicação de Carlos Santos Silva, que trocou emails com Joaquim Conceição sobre o assunto, o valor da dívida foi assumido pelo grupo Lena, sendo descontado na conta-corrente do alegado testa-de-ferro do ex-primeiro-ministro.

Sofia Fava regulariza situação fiscal

Sofia Fava, ex-mulher de José Sócrates, foi ontem acusada de dois crimes, um de branqueamento de capitais e outro de falsificação de documento, no âmbito do processo Operação Marquês, estando associada a um esquema de lavagem de dinheiro de Sócrates através da compra de imóveis. É o caso da compra de uma propriedade em Montemor-o-Novo, o Monte das Margaridas.

A engenheira do ambiente, que foi constituída arguida em abril, era também suspeita de fraude fiscal qualificada sobre rendimentos que terá recebido através de uma empresa de Carlos Santos Silva – a XLM –, com quem celebrou em 2010 um contrato de prestação de serviços como consultora ambiental. Este vínculo previa uma remuneração que, inicialmente, era de cinco mil euros mensais, mas que não foram suficientes para cobrir todas as despesas de Sofia Fava. Por isso foram feitos vários aditamentos ao contrato e, entre 2010 e 2014, só através deste contrato com Santos Silva – um dos alegados testas-de-ferro de José Sócrates –, passaram pelas mãos de Fava, segundo a investigação, 334 mil euros.

No entanto, Sofia Fava regularizou a sua situação fiscal: entregou ao fisco declarações de substituição, corrigindo os valores declarados como rendimentos, e pagou os respetivos impostos. Desta forma, o Ministério Público imputa apenas o crime de branqueamento de capitais a Sofia Fava.

João Serra deixa de ser arguido

O advogado João Serra foi outro dos casos que ontem deixaram de ser arguidos no caso da Operação Marquês. O MP decidiu arquivar os indícios dos crimes pelos quais o advogado era suspeito. Em causa estaria o tráfico de influências relacionado com a entrada da Portugal Telecom (PT) na empresa de telecomunicações brasileira Oi, sendo suspeito de ter servido de ponte entre o Grupo Espírito Santo (GES) e José Dirceu, ex-braço- -direito do antigo presidente brasileiro Lula da Silva durante o negócio da operadora portuguesa no Brasil.

Aqui, Henrique Granadeiro, enquanto chairman da PT, foi o peão de Salgado, que teria mandado elaborar um falso contrato de prestação de serviços que permitiu à operadora pagar comissões ao ex-chefe da Casa Civil do Presidente do Brasil, José Dirceu, e ao escritório de advogados que o representava em Lisboa. Em troca dessas luvas, o então braço-direito de Lula da Silva teria desenvolvido contactos e feito pressão junto de altas personalidades no seu país que facilitaram a compra da operadora Oi pela PT.

Texto escrito por Felícia Cabrita, Joana Marques Alves e Ana Petronilho