Pedrógão Grande. Postos de vigia ainda não estavam ativos

“É manifesta a rigidez de procedimentos”

A região afetada tanto pelo incêndio que deflagrou em Pedrógão Grande como pelo incêndio de Góis, os dois grandes fogos analisados pela comissão técnica, dispõe de uma “boa cobertura” pela Rede nacional de Postos de Vigia (RNPV). No entanto, assinala a avaliação dos peritos, apenas dois postos estavam ativos no dia 17 de junho, uma vez que os restantes fazem parte da rede secundária, que só é acionada quando entra em vigor a fase crítica de combate aos fogos – a chamada fase Charlie. “A rápida deteção de um fogo nascente é crucial, uma vez que desencadeia a sequência de processos que constituem a resposta à ocorrência”, refere o relatório conhecido ontem. “Como tal, a prontidão da RNPV devia ser em função exclusiva das condições pirometeorológicas e não estar subordinada ao rígido calendário do Dispositivo Especial de Combate a Incêndios Florestais”.

Começam aqui as falhas naquele sábado, com os peritos a considerar ainda assim que os problemas estão a montante. “A insuficiente prontidão dos meios de pré-surpressão e combate face às condições meteorológicas e a consequente resposta desajustada face à ocorrência estão na génese da tragédia. Esta incapacidade em reconhecer ou responder atempadamente (…) é uma característica intrínseca do sistema nacional de combate a incêndios, devido à rígida calendarização dos recursos disponíveis e à inexistência de conhecimento especializado”.

Ainda assim, fica claro que, para os peritos, as falhas humanas que contribuíram para o desfecho trágico surgem sobretudo nas primeiras horas. Segundo o relatório, 62 mortes terão ocorrido entre as 19h50 e as 20h40 de 17 de junho. As 30 vítimas da EN 236-1 terão sido apanhadas pelo fogo por volta das 20h10.

A partir das 20h, o fogo tornou-se incontrolável, independentemente dos meios que estivessem disponíveis, isto até às 3 horas da madrugada de domingo. A velocidade de propagação à chegada à nacional foi calculada em 15,2 km/h, “um valor quase sem paralelo na literatura referente a fogos em floresta”. O relatório assinala ainda que os incêndios de Pedrógão e Góis, o segundo e o oitavo maiores de sempre, são os primeiros desta dimensão a acontecer no país ainda na primavera. O grau de secura da vegetação sem precedentes, a instabilidade na atmosfera e a corrente de ar descendente (o fenómeno downburst) contribuíram para o cenário. E fica um alerta. “O incêndio de Pedrógão Grande constitui um exemplo e um aviso de como os sistemas atuais de combate não estão preparados para enfrentar um novo problema com raiz nas alterações climáticas”.