Onde está a guarda socrática?

A primeira vez que vi José Sócrates foi quando o entrevistei com a Cristina Figueiredo e fiquei impressionado. 

O homem tinha uma segurança de aço, mas devido à sua excessiva confiança, cometia deslizes de principiante. Recordo-me que, a determinada altura, mandou desligar o gravador, naquele tempo ainda existiam as cassetes, pois queria dizer uma coisa em off. Depois de revelar o que lhe ia na alma, mandou ligar de novo o gravador.

E foi aí que cometeu o tal deslize de principiante quando lhe perguntei por que não assumia em on o que nos acabara de dizer. A resposta ficou célebre: «Olhe que eu sou um animal feroz» – e depois fez mais umas tantas considerações que foram publicadas na altura, já que assim o permitiu. Uns anos depois encontrei-o outra vez, agora na residência do primeiro-ministro, aquando do lançamento do SOL, em que recebeu a direção do jornal  – José António Saraiva, José António Lima, Mário Ramires e eu. De uma frieza impressionante, começou por se referir às vendas do primeiro número, dizendo que o jornal deveria ter vendido muito bem em Cascais, ao que nós respondemos que assim foi no país inteiro, já que os 120 mil exemplares esgotaram. 

Era notória a sua antipatia comigo por causa da célebre frase – o mais curioso é que José António Saraiva não achou muita graça ao título e tive de o convencer do contrário – e sempre que eu dizia alguma coisa lá saltava o ‘animal feroz’ que vive dentro do ex-primeiro-ministro e eu ria-me para dentro. Foi assim durante todo o almoço em que ficámos de um  lado da mesa e Sócrates, Pedro Silva Pereira, Almeida Ribeiro, David Damião e Luís Bernardo do outro. Nunca mais nos voltámos a encontrar e até tinha uma certa simpatia pelo seu lado rebelde e por gostar dos prazeres da vida. 

Com Armando Vara a história sempre foi outra. Quando foi secretário de Estado da Administração Interna, o ministro era Alberto Costa, tivemos discussões monumentais, pois ele dizia que me «queimava» as notícias todas divulgando-as antes noutros jornais para perderem o impacto quando fossem publicadas no Expresso. Depois disso tivemos um encontro divertidíssimo proporcionado pelo ministro de então Jorge Coelho. Foi uma noite de risada geral. Uns anos depois voltámos a cruzar-nos num hotel em Maputo mas ele fez que não me viu e eu fiz o mesmo. Afinal, já tinha escrito muitas notícias sobre a Fundação Para a Prevenção e Segurança Rodoviária, criada por Armando Vara aquando da sua passagem pelo MAI, e António Guterres foi obrigado a demiti-lo de ministro da Juventude depois das pressões do Presidente Jorge Sampaio. As notícias sobre as embrulhadas estranhas de Vara no negócio da Prevenção, uma instituição privada que recebia dinheiros públicos e fugia aos concursos públicos, assim o determinaram.

Foi este mesmo homem que acabaria por chegar a vice-presidente de dois dos principais bancos portugueses: a CGD e o BCP. Sócrates começaria a ficar debaixo de fogo com a sua passagem pela Secretaria de Estado do Ambiente. Quem não se lembra do Freeport? O resto é o que se sabe. Pois bem, estes dois homens foram defendidos até à exaustão por Pedro Silva Pereira, João Galamba, Artur Santos Silva, António Marinho e Pinto e Vieira da Silva, entre outros, que atacavam todos aqueles que punham em causa a seriedade dos dois governantes. O que têm a dizer agora esses guardas da coroa socrática?