Carles Puigdemont. A face do independentismo

O presidente do Governo autonómico catalão tem estado, nas últimas semanas, nas primeiras páginas dos principais jornais espanhóis e internacionais. Mas quem é ele? Qual o seu percurso político? O que defende?

Carles Puigdemont. A face do independentismo

ilhares de catalães escutavam atentamente a proclamação da independência da Catalunha junto ao Arco do Triunfo. Silêncio expectante, nervos à flor da pele, algumas lágrimas a escorrerem pelos rostos, euforia momentânea quando ecoaram as palavras «assumo o mandato do povo para que a Catalunha se converta num Estado independente em forma de república». Um referendo e um confronto com Madriddepois, a euforia deu rapidamente lugar à desilusão com a suspensão da declaração de independência. Hoje, os sentimentos para com Carles Puigdemont, presidente do Governo autonómico catalão, são contraditórios. Para uns, é um político e até mesmo um estadista sensato. Para outros, uma desilusão ou até um traidor. Mas quem é Carles Puigdemont, a cara por detrás da revolução pela independência da Catalunha?

Oriundo de uma família catalã e católica, filho e neto de pasteleiros, Carles Puigdemont nasceu a 29 de dezembro de 1962 e passou a infância na pastelaria familiar em Amer, Gerona, sem que ninguém imaginasse que seria ele a encabeçar a revolução por uma Catalunha independente. O seu pai, que também se chamava Carles, fugiu de Espanha na Guerra Civil Espanhola (1936-39). Desertou do lado republicano para fugir para França, onde viveu em inúmeros campos de refugiados até desaparecer sem deixar rasto, em 1943. O seu tio e padrinho, Josep Puigdemont, foi presidente da prefeitura de Amer entre 1979 e 1983. Como em muitas famílias espanholas, a Guerra Civil e o franquismo deixaram profundas feridas familiares, algo que, neste caso, contribuiu para que Puigdemont se afirmasse antifranquista desde os 12 anos de idade. Na sequência do deslocamento de forças policiais para a Catalunha para travarem o referendo de 1 de outubro, o presidente catalão recordou que o nome da operação policial, ‘Anúbis’, derivava de um «deus egípcio da morte e dos funerais, o guardião dos túmulos», tendo acrescentando ainda que «já sabemos de que túmulo estes senhores são guardiães, mas não está aqui, está no Vale dos Caídos», numa referência ao túmulo do ditador fascista Francisco Franco. 

Do jornalismo para a política

O jovem catalão cedo se envolveu no movimento independentista. Aos 16 anos, começou a trabalhar como jornalista de desporto no jornal Diari de Girona, tendo, depois, ingressado na Universidade de Girona para estudar filosofia catalã. «Ele sempre defendeu tudo o que tivesse ver com a cultura, história e língua catalãs», disse Xevi Xirgo, diretor do jornal El Punt Avui, onde, mais tarde, Puigdemont trabalharia depois de um sério acidente de viação em 1983 e de ter abandonado a faculdade para se dedicar ao jornalismo a tempo inteiro. Aos 17 anos assistiu, com o seu tio, pela primeira vez a uma reunião convocada por Jordi Pujol, líder do partido independentista catalão Convergência Democrática da Catalunha e, pouco depois, aderiu formalmente ao partido e ajudou a fundar a Juventude Nacionalista da Catalunha.

Ao longo do seu percurso jornalístico, o catalão trabalhou no jornal Presencia e na Agência Catalã de Notícias, tendo fundado a revista em inglês Catalonia Today. Durante todo o seu percurso jornalístico, o líder catalão pressionou sempre para que as notícias relacionadas com a autodeterminação catalã tivesse mais espaço na imprensa. 

Puigdemont decidiu abandonar o jornalismo para se dedicar à política, em 2006, integrando a aliança eleitoral Convergência e União, que, mais tarde, se transformou num movimento pró-independência, na corrida ao Parlamento catalão. Um ano depois, concorreu nas eleições locais para a prefeitura de Girona, um enclave histórico dos socialistas, tendo perdido e ficado na oposição nos quatro anos seguintes. Em 2011, Puigdemont voltou a concorrer, tendo conquistado a prefeitura e destronado os socialistas, que estavam no poder há 32 anos consecutivos. Em 2015, sucedeu a Josep Maria Vila d’Abadal como presidente da Associação de Municípios pela Independência e integrou as listas da aliança eleitoral Juntos pelo Sim, que integrava a Convergência Democrática da Catalunha, o seu partido. A coligação ganhou as eleições e nos três meses seguintes negociou com a Candidatura Unidade Popular (CUP) sobre  quem seria o novo presidente do Governo catalão, que, rejeitando o apoio ao ex-presidente Artur Mas, escolheu Puigdemont para ocupar o cargo a 10 de janeiro de 2016.

Prioridade: a independência

Desde que ocupa o cargo de presidente da Generalitat que a sua principal e quase exclusiva prioridade tem sido a «independência, independência, independência», segundo José Antich, diretor do jornal El Nacional. O líder catalão foi politicamente caraterizado como estando entre o centrismo e a social-democracia. Porém, para Josep Puigdemont, o líder catalão «tem um enorme sentimento social e fará políticas que outros disseram mas que não o fizeram, a favor das classes sociais mais desfavorecidas». Outros políticos que confraternizaram com Puigdemont afirmaram que ele é um estratega experiente. Opinião partilhada por Carles Porta, seu amigo e biógrafo. «Ele é uma pessoa que ouve imenso e que depois decide com total e absoluta liberdade». A verdade é que o seu percurso profissional lhe conferiu ferramentas sobre como lidar com os meios de comunicação social. Puigdemont é também poliglota, fala catalão, castelhano, francês, inglês e romeno, uma língua pouco comum para um catalão, não fosse a sua mulher, Marcela Topor, romena. Puidgemont casou com Marcela por duas vezes em 2000, uma na Catalunha e outra na Roménia. Do casamento nasceram duas filhas, Magalí e María, com dez e oito anos, respetivamente. Puigdemont vive com a família em Girona, a 50 km de Barcelona.