Os bastidores da integração europeia

A ausência de mais integração na Europa será o factor que agravará os impactos da próxima crise

A vitória da plataforma convictamente europeísta de Macron veio dar um novo ímpeto ao movimento de integração europeu. Fica cada vez mais óbvio que este rumo é a única alternativa viável ao actual surto nacionalista, que personifica o declínio e consequente desagregação a prazo do projecto europeu. O esforço integracionista tem no presente clima de crescimento económico sincronizado um vento favorável que facilita a sua implementação. Por outro lado, a execução política apresenta dificuldades acrescidas devido a parlamentos cada vez mais fragmentados, uma herança deixada pelos impactos que a Grande Crise e as mudanças estruturais do mundo digital tiveram sobre algumas franjas da sociedade. Contudo a ausência de mais integração será precisamente o factor que agravará os impactos da próxima crise, precipitando a Europa para um ciclo vicioso de cada vez mais instabilidade política e incapacidade de reforma. A aposta deverá ser feita no curto prazo para que os benefícios sejam colhidos pelas populações no médio-longo prazo. Qualquer inércia nesta fase poderá ser fatal para o projecto europeu.

Os próximos capítulos passarão por um cabaz de medidas que incluirá a consensual política comum de segurança e a mais sensível, mas económicamente crucial, conclusão das Uniões Bancária (UB) e de Mercados de Capitais (UMC). Estas duas uniões serão elementos essenciais para suavizar os efeitos negativos provocados pela (sempre inevitável) próxima recessão económica. No caso da UMC, a harmonização de regulações financeiras no espaço europeu servirá para facilitar os fluxos de capital privado que costumam ser a primeira linha amortecedora de choques numa união monetária – basta notar que nos EUA estima-se que cerca de 80% do efeito de estabilização inter-regiões seja feito por via destes fluxos privados.

Quanto à União Bancária (UB), a mensagem principal é a de conciliar um movimento de progressiva redução de riscos no sistema com mecanismos de partilha de risco entre países – um quid pro quo necessário por forma a ser digerível tanto a Norte como a Sul. Os dois primeiros pilares da UB encontram-se já edificados: a supervisão da banca europeia passou a estar centralizada no BCE e o Mecanismo Único de Resolução passou a determinar o modus operandi nos casos de instituições bancárias em dificuldades. Porém, sem o terceiro e mais contencioso pilar de Garantia de Depósitos Europeu, esta União é manifestamente insuficiente, havendo a possibilidade implícita de um euro não valer o mesmo dependendo de onde na Europa ele estiver depositado – um rastilho pronto a provocar fugas de capital nos países mais vulneráveis. 

O compreensível desconforto dos países nórdicos, onde os contribuintes são tendencialmente os fiadores destes sistemas de mutualização, tem atrasado a conclusão da UB. Por forma a amenizar estas reservas, a Comissão vem agora propor uma implementação a dois tempos, com o passo final de total partilha de garantias contingente numa real redução de risco no sistema bancário. Este meio termo pode até fazer mais sentido politicamente, porém arrisca arrastar ainda mais o processo numa altura em que a próxima contração já esteve mais longe…

 

*Gestor de portfolio multi-activo no BIG – Banco de Investimento Global