A canção de Xi

Outra questão central nos próximos dias é saber se Xi dá ou não indicação sobre o seu sucessor aos 2287 delegados comunistas

Março de 2016. A China acorda ao som de uma música que traz um conselho às moças casadoiras. A coisa rapidamente se torna viral: «Se queres casar, casa com alguém como o Tio Xi. Ele é rápido, ele é eficaz, ele é meticuloso?». Assim segue a cantiga pela voz estridente de Hu Xiaoming. O ‘tio’ é o presidente chinês Xi Jinping. E a cantilena é apenas um de muitos exemplos de como a idolatria explodiu na China contemporânea. 

Xi Jinping é o homem que sobressai entre todos os outros. O XIX Congresso Nacional do Partido Comunista Chinês (PCC), um extraordinário acontecimento político que tem lugar apenas a cada cinco anos, arranca já na próxima quarta-feira e reflete bem os níveis de culto de personalidade pós-maoista a que a China chegou: todo o conclave gira em torno de Xi. Como é que Xi alcançou uma posição domínio absoluto na política chinesa, só comparável com Mao? É preciso recuar cinco anos. 

Chegado ao poder em 2012, Xi percebe duas coisas. Primeiro, e apesar da económica continuar a prover o povo (fonte primordial da legitimidade do partido), o PCC está em erosão acelerada. Segundo, Xi constata que o papel chinês no sistema internacional é inversamente proporcional ao tamanho e importância do país. É nesse sentido que o seu primeiro discurso se centra na ideia da «grande restauração da nação Chinesa» e de «sonho Chinês».

Em cinco anos a China mudou. E em muitos casos mudou à força.  

Na frente interna, Xi lançou uma cruzada contra a corrupção numa escala inédita. Wang Qishan, que aos 69 anos pode continuar no principal órgão partidário contrariando a regra da ‘qishang baxia’, foi o braço direito na luta contra a elite corrupta e contra um aparelho complacente. A pretexto da corrupção, muitos opositores internos foram varridos do mapa. Isso leva a outra marca do seu mandato: a centralização. Porque lançou ataques ferozes a setores importantes do PCC, Xi abandonou o princípio comunista da ‘liderança coletiva’. É ele que comanda todos os setores vitais do Estado. Como salientou um analista, ‘Xi é o presidente de tudo’. Ele não é ‘o primeiro entre iguais, é o primeiro’. A censura musculada, dos ativistas às redes sociais, foi outro pilar da afirmação interna do líder. 

Na frente externa, Xi abandonou a doutrina comunista da emergência pacífica. Assertivo, lançou a ambiciosa iniciativa de recuperação da rota da seda, criou instituições multilaterais pilotadas pela China, aprovou investimentos sem precedentes em forças militares e alongou os seus músculos no mar do Sul da China.  

Chegados ao congresso, muitos perguntam-se: será que depois da consolidação, Xi mudará para o registo reformista e de pendor liberal que prometia em 2012? Como nota um alto dirigente do PCC citado na imprensa internacional, «se nem Trump fala de democracia e liberdade, não seremos estúpidos ao colocar na agenda valores de que até o Ocidente dúvida». Xi já tem a sua marca na história como centralizador, não deverá reinventar-se como liberal. 

Outra questão central nos próximos dias é saber se Xi dá ou não indicação sobre o seu sucessor aos 2287 delegados comunistas. O congresso serve para dar a conhecer o rosto da transição. Xi, por exemplo, saiu do 17.º conclave como líder em preparação. Mas este ano não há um claro sucessor. Isto sugere que Xi pode contrariar a prática do PCC – um presidente, dois mandatos – e manter-se depois de 2022. 

Pelo menos até lá, a China continuará a ouvir a marcha imperial de Xi Jinping.