De saída da UNESCO

Parece, pois, incompreensível que países como os Estados Unidos ou Israel, que desempenham papéis insubstituíveis na comunidade internacional, possam abandonar esta Organização.

A UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura – é o braço da ONU para estes temas, ocupando-se, em muitos casos, da classificação do património, em especial do património histórico e imaterial da Humanidade. Isto ao serviço dos fins da ONU, a paz e a segurança internacionais.

Dir-se-ia, por isso, que uma organização com fins pacifistas, dedicada à educação e cultura, concitaria a simpatia e consenso internacionais.

Parece, pois, incompreensível que países como os Estados Unidos ou Israel, que desempenham papéis insubstituíveis na comunidade internacional, possam abandonar esta Organização.

Uma primeira leitura, a qual não pode ser ignorada, assenta na inauguração de uma nova ordem mundial pela presidência da Donald Trump, orientada para o unilateralismo, para a imposição de uma visão protecionista ao mundo e por um certo isolacionismo paroquial. Esta leitura explica, em boa parte, o que se está a passar nas relações internacionais nos últimos meses. Desde as ameaças à Coreia do Norte – as quais implicaram uma escalada de conflito que faz perigar a segurança internacional -, ao abandono do Acordo de Paris sobre as alterações climáticas, até à saída da UNESCO, todas estas atitudes revelam essa mesma postura perante a ordem mundial. 

Um tal posicionamento da principal potência mundial – económica, militar, cultural e diplomática – provoca uma alteração sem precedentes no modo como se comporta a comunidade internacional. Os demais países, sobretudo aqueles que dependiam da proteção americana, e as organizações internacionais, têm de procurar novos posicionamentos e estratégias de defesa e segurança. A União Europeia não pode ignorar esta realidade, sobretudo após o que ouviu de Trump na última cimeira da Nato. Trata-se de uma realidade para levar a sério.

Mas, neste contexto, aparece como bizarra a saída da UNESCO, porventura a entidade com menor impacto nas grandes questões que afetam hoje os equilíbrios geoestratégicos.

A UNESCO tem sido liderada nos últimos anos por Irina Bokova, uma política Búlgara, com origem no partido socialista Búlgaro, que se tornou conhecida por ser uma das candidatas à última eleição para Secretária Geral das Nações Unidas, contra António Guterres. A sua candidatura não deixou de ser insólita, desde logo por provir da mesma área política do ex-primeiro-ministro português, assim reduzindo, em teoria, a hipótese de ambos serem eleitos, como por ter acabado por se confrontar com a candidatura de uma outra sua compatriota, Kristalina Georgieva, o que redundou na apresentação de duas candidaturas originárias de um mesmo país, mas com apoios nacionais diversos.

Bokova tem sido acusada de uma excessiva politização da UNESCO. Um dos casos mais controversos passou-se há não muito tempo, com uma resolução desta organização que não reconhecia devidamente a presença das três religiões – Católica, Muçulmana e Judaica – no Monte do Templo, em Jerusalém. Trata-se de um lugar de culto para as três religiões, pelo que a sua associação a uma, em detrimento das demais, constitui uma inaceitável desconsideração que uma organização como a UNESCO não pode fazer. Na altura, Bokova suportou totalmente a resolução que havia sido emitida. 

Mais tarde, a UNESCO veio a incluir Hebron, na Cisjordânia, na lista de património mundial e ao mesmo tempo, pô-la na lista do património em risco. Mais uma vez, tratou-se de uma decisão diplomaticamente delicada, tendo em conta a centralidade de Hebron no conflito Israelo-palestiniano.

A saída da UNESCO constitui assim, espera-se, um protesto diplomático de ambos os países relativamente as posições da Organização em diversas questões relacionadas com o Estado de Israel. Isto significa que uma maior ponderação futura poderá ditar o seu regresso. Claro que, neste instante, coloca-se a questão da substituição de Bokova, por fim de mandato, a qual poderá vir a fazer-se por alguém originário de um país árabe, o que não ajuda ao processo diplomático com os Estados Unidos e com Israel.

Em todo o caso, é fundamental assegurar que a UNESCO tem condições para continuar o seu importantíssimo papel na paz e segurança internacionais, através da educação ciência e cultura, e que a sua ação não é beliscada por dificuldades de natureza diplomática. Em especial, seria de evitar que a UNESCO fosse a primeira vítima do unilateralismo. Porque, se o for, começamos muito mal.

Gonçalo Saraiva Matias

Professor da Universidade Católica Portuguesa