106 mortos. Marcelo faz ultimato a Costa: ou muda de vida ou há eleições

Marcelo exige ao governo que mude de vida e acusa Costa de não ter, até agora, entendido o que se passou no país. Se não houver uma mudança de vida consistente, o Presidente atuará

 

Nunca Marcelo fora tão duro. Ontem, enquanto a maioria dos portugueses jantava, agarrou o governo Costa pela jugular e colocou condições para a sua sobrevivência. Ou António Costa muda de vida na forma de lidar com as tragédias que já causaram mais de 100 mortos ou o Presidente da República utilizará todos os seus poderes constitucionais para que o país mude de vida – leia-se, demissão do governo ou dissolução da Assembleia da República.

Marcelo diz que o seu mandato presidencial está comprometido com esse “mudar de vida”: “O mudar de vida neste domínio é um teste decisivo ao cumprimento do mandato que assumi e nele me empenharei totalmente até ao fim desse mandato. Impõem-no milhões de portugueses. Impõem-no os mais de 100 portugueses que tanto esperavam da vida no início do verão de 2017 e que não chegaram ao dia de hoje”.

O Presidente “estará atento e exercerá todos os seus poderes para garantir que onde existiu ou existe fragilidade ela terá de deixar de existir”. Fica aqui implícita a necessidade de afastamento da ministra da Administração Interna, defendida pelo Presidente. 

“O certo é que a fragilidade existiu e existe e atingiu os poderes públicos e exige uma resposta rápida e convincente”, disse Marcelo. O Presidente defendeu que “esta é a última oportunidade para levarmos a sério a floresta e a convertermos em prioridade nacional”, com “uma convergência alargada”. Marcelo “espera do governo que retire todas, mas todas, as consequências da tragédia de Pedrógão, à luz das conclusões dos relatórios, em especial do relatório da comissão parlamentar independente, como de resto o governo se comprometeu publicamente a retirar”.

Mas também o Presidente “espera que nessas decisões não se esqueça daquilo que nos últimos dias confirmou ou ampliou as lições de junho e olhe para estas gentes, para o seu sofrimento com maior atenção ainda do que aquela que merecem os que têm os poderes de manifestação pública em Lisboa”.

A gestão do governo das tragédias – envolta na frieza característica do primeiro-ministro, com a ajuda da ministra da Administração Interna a aludir às “férias que não teve” e a pedir “resiliência” às populações em chamas ou o secretário de Estado Jorge Gomes a dizer que cada um dos cidadãos não podia estar à espera do Estado – foi massacrada em várias passagens do discurso do Presidente. Segundo Marcelo, até ao momento, Costa e o seu governo têm demonstrado não ter “entendido nada do essencial do que se passou no nosso país”.

“Podemos e devemos dizer que a única forma de verdadeiramente pedir desculpa às vítimas de junho e outubro – e de facto é justificável que se peça desculpa [coisa que o governo sempre recusou fazer] – é, por um lado, reconhecer com humildade que portugueses houve que não viram os poderes públicos como garante de segurança e de confiança; e por outro lado romper com o que motivou fragilidade ou motiva o desalento ou a descrença dos portugueses”. Marcelo é duríssimo: “Quem não entenda isto, humildade cívica e rutura com o que não provou ou não convenceu, não entendeu nada do essencial do que se passou no nosso país”.

A remodelação

Marcelo exige uma remodelação. Abrir um novo ciclo “inevitavelmente obrigará o governo a ponderar ‘o quê’, ‘quem’, ‘como’ e ‘quando’ melhor serve esse ciclo”. 

A moção de censura apresentada pelo CDS será um teste. “Se na Assembleia da República há quem questione a capacidade do atual governo para realizar estas mudanças que são indispensáveis e inadiáveis, então, nos termos da Constituição, esperemos que a mesma Assembleia soberanamente clarifique se quer ou não manter em funções o governo, condição essencial para que, em caso de resposta negativa, se evitar um equívoco. E de resposta positiva reforçar o mandato para as reformas inadiáveis”.

Marcelo deu uma resposta direta a Costa que admitiu que tragédias como a de domingo iriam seguramente repetir-se. “Reformar a pensar no médio e longo prazo não significa termos de conviver com novas tragédias até lá chegarmos”. Marcelo só acredita no futuro deste governo com base em mudanças em relação ao passado. O Presidente fez um ultimato ao governo. Aguarda-se a resposta do primeiro-ministro.