Do que o governo tem e do que não tem culpa

Há uma semana, ao conduzir numa estrada ladeada de pinheiros bravos a caminho da Nazaré, não pude deixar de pensar que foi numa estrada assim que morreram mais de 40 pessoas há quatro meses. Logo no momento seguinte, porém – talvez para me tranquilizar – pensei que uma tragédia como a de Pedrógão Grande só…

Há uma semana, ao conduzir numa estrada ladeada de pinheiros bravos a caminho da Nazaré, não pude deixar de pensar que foi numa estrada assim que morreram mais de 40 pessoas há quatro meses. Logo no momento seguinte, porém – talvez para me tranquilizar – pensei que uma tragédia como a de Pedrógão Grande só acontece uma vez.

Estava profundamente errado.

As imagens captadas por automobilistas na A8 e na A17 divulgadas ainda no domingo à noite mostravam que os carros podiam ser de novo encurralados pelas chamas enquanto seguiam o seu caminho. E no dia seguinte, segunda-feira, voltámos a ser confrontados com números chocantes: às 11h da manhã eram 27 os mortos confirmados; entretanto, esse valor subiu para 42 vítimas.

Quem é o culpado?

O Governo, obviamente, não tem culpa das temperaturas anormais que se têm feito sentir em Outubro. Não tem culpa da seca que torna tudo extremamente inflamável ou do vento que ajuda a propagar as chamas com uma velocidade inacreditável. Não tem culpa dos criminosos que continuam a provocar incêndios ou das queimadas que alguns fazem de forma irresponsável.

Mas tem culpa das medidas de prevenção que não foram tomadas. Desde a tragédia de Pedrógão passaram quatro meses e podia ter sido feita alguma coisa para evitar que se repetisse, além de encomendar o relatório à Comissão Técnica Independente. António Costa parece – e bem – apostado em medidas de fundo que possam resolver o problema dos fogos florestais a prazo. Mas eram necessárias também medidas com efeitos imediatos; sabendo-se que este ia ser um fim-de-semana complicado, impunha-se, por exemplo, aumentar o grau de vigilância.

Por outro lado, se a Proteção Civil falhou – e de que maneira –, há que assacar responsabilidades não apenas àquele organismo mas também a quem nomeou o comando.

Mas o Governo falhou de forma estrondosa sobretudo na forma como reagiu à tragédia. O secretário de Estado da Administração Interna disse que as comunidades têm de ser “proativas” em vez de ficarem “à espera”, uma afirmação tão insultuosa quanto grave: é precisamente no combate ao fogo sem meios nem experiência nem conhecimentos, que muitos perdem a vida.

António Costa, por sua vez, pediu a uma jornalista “não me faça rir a esta hora”, num momento de profundo mau gosto, e recusou-se a dizer aquilo que devia: que o Governo falhou ao não conseguir proteger os seus concidadãos e esse falhanço teve, infelizmente, consequências dramáticas.

Ontem ao início da noite, outro responsável do PS, Carlos César, falou na “contenção que se exige num momento destes”. Ora, o tempo da contenção, da reflexão, de protelar e de ficar de braços cruzados a fingir que se faz alguma coisa já passou há muito. Agora é momento de agir, de enfrentar o problema com medidas concretas. E, já agora, de mostrar alguma humildade e de pedir desculpas pelo que não se conseguiu fazer e se devia ter feito.

Duas notas finais:

– Os incêndios têm um segundo aspeto terrível: depois do que aconteceu este ano quem quererá ir morar para as regiões do interior, onde se arrisca a perder tudo, desde a casa até à própria vida?

– O fogo no Pinhal de Leiria mostra que não são só os privados os maus da fita. Houve quem sugerisse que o Estado se substituísse aos proprietários quando estes não fizessem a manutenção dos seus terrenos. Ora, já não seria mau que o Estado conseguisse cuidar devidamente do seu património, quanto mais do dos outros…