Catalunha. Entre a suspensão da autonomia e as eleições antecipadas

Rajoy lançou o repto: se a Catalunha convocar eleições antecipadas, está disposto a não aplicar o artigo 155 e suspender a autonomia catalã. Conselheiro de assuntos exteriores catalão nega qualquer intenção de antecipar sufrágio

O primeiro-ministro espanhol, Mariano Rajoy, recebeu ontem o secretário-geral dos socialistas espanhóis (PSOE), Pedro Sánchez, e o líder de Ciudadanos, Alberto Rivera. Em cima da mesa, os pormenores da forma como será aplicado o artigo 155 da Constituição caso Carles Puigdemont, presidente do governo catalão, não negue hoje que declarou a independência na semana passada.

A imprensa espanhola diz que Rajoy deu uma saída a Puigdemont para não aplicar o 155, que suspende as instituições autonómicas e coloca o governo da Catalunha nas mãos do executivo de Madrid: convocar eleições antecipadas. O que parece não estar nos planos do governo catalão, pelo menos de acordo com as afirmações, ontem, em Bruxelas, do seu conselheiro de Negócios Estrangeiros, Raül Romeva: “Umas eleições não formam parte do nosso programa. É muito claro.”

Rivera, no seu encontro com Rajoy, mostrou o apoio do seu partido à aplicação do artigo 155 da Constituição na Catalunha, mas “com a finalidade” de convocar eleições autonómicas “legais, livres e com garantias” – ideia que Rajoy e os seus ministros têm procurado difundir nos últimos dias, a de que existe uma vontade entre a população para que haja eleições na Catalunha. E com a qual concorda igualmente o líder do PSOE, posição que ontem transmitiu a Rajoy na reunião no Palácio da Moncloa, sede do governo de Madrid.

No entanto, é muito improvável que Puigdemont dê um passo atrás, naquilo que seria considerado como uma humilhação e que, provavelmente, lhe custaria grande parte do seu capital político. O mais realista é que continue a oferecer-se para dialogar sem pré-condições e sem aludir à independência declarada e depois suspensa no parlamento da Catalunha.

“O governo não se moverá” da sua posição, garantiu ontem o porta-voz Jordi Turull. Romeva dizia, por seu lado, em Bruxelas, que o governo de Madrid iria mesmo aplicar o artigo 155, até porque “já o estão a aplicar ilegalmente pela porta de trás”. E acrescentou que os membros do executivo catalão estão dispostos a enfrentar a prisão, como aconteceu com Jordi Sànchez, presidente da Assembleia Nacional da Catalunha, e Jordi Cuixart, líder da organização independentista Òmnium Cultural, cuja prisão preventiva foi declarada na segunda-feira por crimes de sedição.

Os dois foram defendidos na primeira declaração de Josep Lluís Trapero, chefe dos Mossos d’Esquadra (polícia autonómica catalã) perante a juíza da Audiência Nacional, no dia 6 de outubro, e cuja gravação foi ontem divulgada pelo jornal “La Vanguardia”. Trapero, que defendeu a atuação dos Mossos nos dias 20 e 21 de setembro durante a manifestação à porta da Conselleria de Economía, referiu que nem Sànchez nem Cuixart estiveram “por trás de tudo”: “Honestamente, acredito que não.” A Amnistia Internacional também acredita que não. Em comunicado, a organização não governamental considera que a decisão da justiça espanhola de acusar os dois ativistas constitui uma restrição excessiva do seu direito de liberdade de expressão e de reunião pacífica. E embora acredite que Sànchez e Cuixart “incentivaram os manifestantes a concentrarem-se frente aos edifícios oficiais para impedir uma operação policial legal”, a verdade é que “não parece que os tenham incentivado a usar a violência”.

Artigo 155 e Bruxelas 

O artigo 155 pode ser decretado pelo governo espanhol já a partir das nove da manhã de hoje (mais uma hora em Espanha), fim do prazo dado por Madrid a Puigdemont para clarificar a sua posição, e Rajoy conta expor os passos que irá dar o seu governo aos membros da União Europeia durante o Conselho Europeu, que começa hoje e termina amanhã, a que assistirá em Bruxelas.

Aquilo que o primeiro-ministro espanhol pretende é o apoio dos restantes membros da UE ao plano do seu governo para impedir que a Catalunha se declare independente.

A posição da Alemanha parece inclinar-se mais para a via do diálogo que para a via da imposição clara da integralidade do território espanhol como única opção. “Espero que tenham vontade de negociar, de reduzir tensões e de utilizar o tempo e espaço na Catalunha e em Espanha”, disse ontem o ministro dos Negócios Estrangeiros alemão, Sigmar Gabriel.
“Apoiamos toda a gente que se queira sentar à mesa de negociações para resolver estas questões e alcançar uma situação estável na Catalunha, assim como em Espanha”, acrescentou o chefe da diplomacia alemã.

Sigmar Gabriel mostrou-se preocupado com a instabilidade política e os danos que causa à economia da região, de Espanha e a toda a UE: “O povo e a economia da Catalunha estão inquietos e cada dia em que persiste a falta de clareza aumenta a inquietude, e a situação torna-se mais difícil”, acrescentou o ministro alemão, que no dia 11 afirmara que uma declaração unilateral de independência por parte do governo da Catalunha seria “irresponsável”.

Ontem, na conferência de imprensa em Bruxelas, Romeva, o responsável da diplomacia catalã, perguntava, quando dizia que se podia passar tudo a partir daqui, inclusive a detenção dos dirigentes políticos catalães: “É algo que a União Europeia pode aceitar? Pode viver com isso?”

Na segunda viagem a Bruxelas nas últimas três semanas, o representante de assuntos exteriores da Catalunha insistiu na necessidade de diálogo entre Barcelona e Madrid: “Não há alternativa ao diálogo. Isto é a política”, disse Romave, acrescentando que “não há alternativa a um acordo negociado com Espanha. “É no interesse de todos, catalães, espanhóis e europeus. Obviamente, o confronto nunca é desejável.”

Para Romeva, aquilo que Madrid está a fazer é negar a realidade, fazer de conta que a situação na Catalunha não chegou a um ponto em que não há volta a dar senão fazê-la evoluir para outro patamar. “É uma realidade que existe e não vai desaparecer, só porque há alguns que não gostam. Negar a realidade, está demonstrado que não resolve nada.