Que mundo estamos a construir?

Em finais do ano passado, participei numa conferência em Beja presidida por D. João Marcos, bispo da diocese. 

Numa breve introdução, este conceituado responsável da Igreja disse, entre outras coisas para refletir e meditar, algo que me despertou a atenção: «Não há problema com o dinheiro, desde que sejamos nós a mandar nele».

Este simples mas profundo pensamento leva-me a perguntar: será que somos nós a mandar no dinheiro ou é o dinheiro que manda em nós? O mundo em que vivemos gira à volta de convicções, de normas e de valores, ou, pelo contrário, à volta de conveniências sempre em função do dinheiro?

A notícia da transferência milionária do jogador de futebol Neymar, trocando o seu clube, o Barcelona, para ingressar num clube francês, numa operação que ultrapassou os duzentos milhões de euros, provando inequivocamente que o dinheiro falou mais alto, diz tudo e mostra bem quem manda neste conturbado planeta. E quase diariamente, um pouco por toda a parte, temos conhecimento de outras notícias ‘bombásticas’ em áreas diferentes, chocando-nos com operações inimagináveis, provando que é de facto o dinheiro quem manda no mundo e que tudo vive em função dele.

Do outro lado da barricada, o panorama não é mais animador. Vemos países designados subdesenvolvidos, com seres humanos sem o mínimo de condições de sobrevivência, onde só existe miséria, proliferam doenças e falta tudo para as combater, ou gente a viver nas ‘trevas’, atingida pelo desemprego, pobreza, falta de família, sem perspetivas de voltar a encontrar a luz nas suas vidas e estendendo a mão à caridade.

É bom não esquecer aqueles que, anónima e desinteressadamente, dedicam a sua vida a cuidar dos outros, em que o dinheiro não manda, mas são donos da maior riqueza que Deus nos pode dar. Desses pouco se fala e são desconhecidos da maioria das pessoas, mas é para eles que vai todo o meu apreço e a minha maior admiração.

Na minha qualidade de médico de família – e com uma vasta experiência de muitos anos no exercício de funções –, poderei destacar algumas situações reveladoras dos tempos que estamos a viver.

O número, talvez crescente, daqueles que vivem sós (não apenas idosos), deitando contas à vida para conseguirem sobreviver devido ao desemprego ou aos baixos salários, com despesas fixas a pagar onde aparece sempre a inevitável conta da farmácia – ouvindo-se cada vez com maior frequência a pergunta de quanto irá custar a medicação (questão que antigamente nem sequer se colocava), quando não mesmo o pedido para ser receitado o medicamento mais barato, contrariando até o critério clínico.

E quantos casos não há de pessoas obrigadas a esperar pelo final do mês para, com a tão desejada pensão, liquidarem na farmácia a conta da medicação já previamente dispensada? E aqueles que abdicam de uma das tomas para o fármaco durar mais tempo?

É este o nosso mundo. De um lado vê-se o dinheiro a mandar nele – e do outro seres humanos sem o mínimo de condições para viverem dignamente. Todos sabemos que não há soluções eficazes para os problemas aqui levantados, mas, pela minha parte, revejo-me na posição defendida por D. João Marcos quando diz que devemos ser nós a mandar no dinheiro e não o contrário.

Afinal, «que mundo estamos nós a construir?». Com todo este cenário desolador, não é fácil acreditar num amanhã melhor mas é preciso manter a esperança de que um outro tempo há de chegar. A mensagem que há muito recebi, e cujo final venho agora partilhar, traça um caminho a percorrer na direção do mundo novo que todos desejamos: «Onde a esperança continue a ter luz e a fé nos seja a força de cada dia». (Joaquim Martins dos Santos).