Catalunha. Num canto, a independência de calção grená, no outro, o 155

Puigdemont respondeu com um desafio: ou o diálogo ou a declaração de independência no parlamento catalão. Rajoy responde com um conselho de ministros no sábado para acionar o artigo da Constituição que suspende a autonomia

Na promoção dos combates de boxe mais mediáticos, os dois boxeurs plantam-se frente a frente e a poucos centímetros da cara um do outro e vociferam todas as violências que irão cometer no ringue. No caso da questão catalã, Carles Puigdemont e Mariano Rajoy não estão frente a frente, mas enviam mensagens de desafio um ao outro à distância.

Desta vez, mesmo encurralado junto às cordas, Carles Puigdemont, o presidente do governo catalão preferiu contra-atacar em vez de se defender do ultimato lançado pelo governo espanhol: “se o Governo do Estado persiste em impedir o diálogo e continuar a repressão, o Parlamento da Catalunha poderá proceder, se considera oportuno, à votação da declaração formal da independência que não votou no dia 10 de outubro”, lê-se na carta enviada a Mariano Rajoy.

Face ao desafio, o governo de Madrid respondeu com o anúncio do que já se previa, num golpe que apesar de anunciado não deixa de ir direto às pretensões catalãs de independência: face “à negativa do presidente da Generalitat da Catalunha para atender ao requerimento que lhe foi remetido no passado 11 de outubro e no qual se reclamava que informasse de forma clara e precisa se alguma autoridade da Catalunha havia procedido a declarar a independência”, leu o porta-voz do governo de Madrid, o ministro da Educação, Íñigo Méndez, “o Governo de Espanha continuará com os trâmites previstos no artigo 155 da Constituição para restaurar a legalidade no autogoverno da Catalunha”.

Para isso, Rajoy convocou um conselho de ministros para o próximo sábado, altura em que transmitirá aos restantes membros do governo os apoios que trouxe do Conselho Europeu (ver texto ao lado). De acordo com o “La Vanguardia”, o artigo 155 deverá ser votado pelo Senado de Espanha a 30 ou 31 de outubro.

Pela primeira vez na história da Espanha, o artigo 155 da Constituição de 1978 vai ser usado, depois da ameaça às Canárias nunca concretizada pelo então primeiro-ministro socialista Felipe González em 1989, para obrigar o executivo autonómico a cumprir as obrigações fiscais. No artigo lê-se “se uma Comunidade Autónoma não cumprir as obrigações que a Constituição e outras leis imponham, ou atue de forma que atente gravemente contra o interesse geral de Espanha, o governo, após requerimento ao Presidente da Comunidade Autónoma e, no caso de não ser atendido, com a aprovação por maioria absoluta do Senado, poderá adotar medidas necessárias para obrigar aquela ao cumprimento forçado das ditas obrigações ou para a proteção do mencionado interesse geral”. 

Face à ameaça do 155, o parlamento catalão tem agendada uma reunião do conselho permanente para segunda-feira, onde deverá ficar marcada a sessão para a declaração unilateral de independência.

Tudo se prepara para que se entre naquilo a que o porta-voz do Partido Democrata Europeu Catalão (PDeCAT), a formação política de Puigdemont, classificou de cenário “mau” para Espanha e “muito difícil” para a Catalunha. “Se o que se pretende é que a sociedade catalã se humilhe e se renda perante a posição do governo espanhol, é evidente que isso não é aceitável”, acrescentou Carles Campuzano.

Para o porta-voz do PDeCAT, “o governo tem oportunidade de defender a legalidade constitucional não aplicando o 155”, desta forma “equivoca-se profundamente na hora de fazer frente a um desafio democrático desta magnitude”, disse ainda, citado pelo “La Vanguardia”.

O Partido Socialista (PSOE), que na quarta-feira apoiou a aplicação do artigo 155 através do seu líder, Pedro Sánchez, que se reuniu no palácio da Moncloa com o primeiro-ministro espanhol, veio hoje salientar que só apoia uma “intervenção” rápida na Catalunha, “o mais breve possível”, segundo disse ontem José Luis Ábalos, número três do PSOE.

“A democracia e o Estado de direito não podem ceder ante essa inadmissível ameaça” da declaração unilateral de independência, afirmou Ábalos. “Não se negoceia a integridade territorial e não assumimos a bilateralidade entre o Estado e um pretendente mini-Estado”, acrescentando, no entanto, que a via do diálogo permanece aberta até que o Senado vote o acionar do artigo 155 da Constituição.

Duros vs Moderados

A posição intransigente de Madrid, sobretudo a prisão preventiva dos líderes independentistas Jordi Sánchez (Assembleia Nacional Catalã) e Jordi Cuixart (Òmnium Cultural), decretada pelo juiz da Audiência Nacional espanhola, por crime de sedição, acabou por solucionar o dilema entre os duros e os moderados dentro do PDeCAT, inclinando a balança para o lado dos primeiros. Isso mesmo escrevia hoje em editorial José Antich, diretor do site noticioso catalão El Nacional: “O efeito da entrada na prisão de Sánchez e Cuixart foi letal para aqueles que sustentavam com diferentes argumentos que havia que exprimir mais a via do diálogo”.

A posição de desafio de Puigdemont a Madrid ganhou assim um apoio coeso dentro do seu partido e carta branca para decidir daqui para a frente como se posiciona o partido face aos trâmites decididos em Madrid. Até porque a partir daqui é caminho não cartografado, citando Antonio Machado, o caminho agora “faz-se a caminhar”, “golpe a golpe, verso a verso”.