Marcelo pronto para tudo

Demissão de Constança Urbano de Sousa já estava decidida antes do discurso violentíssimo do Presidente da República. O estado de graça de António Costa terminou em Belém.

Marcelo pronto para tudo

Antes de ouvir a comunicação ao país do Presidente da República, feita a partir da Câmara Municipal de Oliveira do Hospital, o primeiro-ministro António Costa já tinha decidido que Constança Urbano de Sousa teria que sair do Governo.

Segundo o SOL apurou junto de fontes socialistas,  na segunda-feira António Costa mostrava-se completamente inflexível, recusando com veemência afastar a ministra da Administração Interna. Já Constança Urbano de Sousa tinha rejeitado demitir-se com a referência às suas famosas férias nessa manhã de segunda-feira – «Acho que este não é o momento para a demissão, é o momento para a ação. Ir-me embora seria o caminho mais fácil, ia ter as férias que não tive» – e António Costa continuava teimosamente a achar que a ministra deveria manter-se no cargo. A «teimosia» do primeiro-ministro foi referida ao SOL por várias fontes que viram nessa teimosia um dos problemas que contribuiu para agravar a crise do verão que teve o seu trágico epílogo no domingo passado, um dia de outono anormalmente quente e seco.

Mas entre a noite de segunda e o dia de terça-feira tudo mudou. A comunicação ao país de António Costa na segunda-feira – onde não acrescentou grande coisa à intervenção tecnocrática das três da manhã feita na Proteção Civil – é zurzida por alguns dos seus conselheiros próximos, que defenderam insistentemente junto do primeiro-ministro que a continuação de Constança Urbano de Sousa se tornou politicamente insustentável. António Costa acaba por ceder.

Quando, às 20h30 de terça-feira, Marcelo Rebelo de Sousa inicia a intervenção mais devastadora para um Governo de que há memória recente, o destino de Constança Urbano de Sousa já estava traçado – o primeiro-ministro já estava finalmente consciente da fragilidade política da ministra da Administração Interna e da necessidade da sua retirada do Executivo.

A coisa acelera-se. Aparentemente, António Costa, como confessaria depois no Parlamento, gostaria que Constança Urbano de Sousa aguentasse até ao conselho de ministros extraordinário. Mas às nove da manhã de quarta-feira, depois do discurso do Presidente, a demissão de Constança foi consumada.

 

A carta

A carta de demissão da ministra da Administração Interna é uma peça de antologia na qual nem o primeiro-ministro nem a própria ministra saem bem na fotografia.

«Logo a seguir à tragédia de Pedrógão pedi, insistentemente, que me libertasse das minhas funções e dei-lhe tempo para encontrar quem me substituísse, razão pela qual não pedi, formal e publicamente, a minha demissão. Fi-lo por uma questão de lealdade.

«Pediu-me para me manter em funções, sempre com o argumento que não podemos ir pelo caminho mais fácil, mas sim enfrentar as adversidades, bem como preparar a reforma do modelo de prevenção e combate a incêndios florestais, conforme viesse a ser proposto pela Comissão Técnica Independente. Manifestou-me sempre a sua confiança, o que naturalmente reconheço e revela a grandeza de caráter que sempre lhe reconheci. Desde Junho de 2017, aceitei manter-me em funções apenas com o propósito de servir o país e o Governo que lidera, a que tive honra de pertencer». Portanto, Constança, como de resto dava a entender pela sua performance embora desmentisse qualquer ideia de demissão, já estava com um pé fora do Governo. O texto continua: «Durante a tragédia deste fim de semana, voltei a solicitar que, logo após o seu período crítico, aceitasse a minha cessação de funções, pois apesar de esta tragédia ser fruto de múltiplos fatores, considerei que não tinha condições políticas e pessoais para continuar no exercício deste cargo, muito embora contasse com a sua confiança.

«Tendo terminado o período crítico desta tragédia e estando já preparadas as propostas de medidas a discutir no Conselho de Ministros Extraordinário de dia 21 de Outubro, considerado que estão esgotadas todas as condições para me manter em funções, pelo que lhe apresento agora formalmente, o meu pedido de demissão, que tem de aceitar, até para preservar a minha dignidade pessoal».

A demissão que Costa finalmente aceitou seria um dos eixos da comunicação do Presidente ao país, que, no entanto, não ficou por aí. Marcelo fez um dos discursos mais violentos que um Presidente pode fazer a um Governo, admitindo que depois das tragédias dos incêndios tinha o seu mandato ligado à resolução do problema da floresta e que, se nada fosse feito, poderia usar todos os seus poderes, onde se inclui naturalmente a demissão do Governo e a dissolução do Parlamento. Afirmou que, enquanto chefe de Estado, achava necessário que o Governo visse a confiança medida pelo Parlamento do qual depende – o que vai acontecer esta semana durante a discussão da moção de censura do CDS, com PCP e BE a juntarem-se ao PS no chumbo à censura ao Governo.

De resto, Marcelo tomou a liderança das operações. Sozinho – apenas acompanhado pelo motorista, ajudante de campo e seguranças – andou a percorrer o país devastado. No momento mais baixo da confiança no Governo – ainda que não haja sondagens nem resultados de focus group – Marcelo toma conta do Estado. Afinal, ele é o chefe do dito.