Áustria: fórmula Kurz

Os péssimos resultados da esquerda são explicados pelo afastamento do seu eleitorado tradicional. A família socialista, com a sua agenda progressista e bandeiras das minorias, reúne as simpatias das elites urbanas. Mas afastou-se dramaticamente das classes trabalhadoras. Ciclos de eleições provam que os descamisados da globalização têm transitado diretamente da esquerda para as fileiras eleitorais…

A carreira de Sebastian Kurz tem mais ritmo que a Marcha Radetzky. Com apenas 31 anos, o presumível chanceler austríaco selou recuperação espetacular do Partido Popular (OVP). Há apenas seis meses, o OVP ocupava o terceiro lugar nas intenções de voto. No último domingo ganhou eleições. Kurz apresentou-se como grande reformador porque percebeu que a crise democrática na Europa se alimenta da ausência de confiança nos partidos. Não é por acaso que a sua retórica é marcada pelo tom antissistema – mesmo que o seu partido e os sociais-democratas tenham governado em grande coligação durante 44 anos nos últimos 72. Kurz tem uma visão pró-mercado, pró-europeia e não é adepto de exercícios de relaxamento fiscal.

Contudo, foi o tom duro no tema da imigração que mais se ouviu na campanha. Só falando em «migrantes», apagando deliberadamente uma distinção entre a migração económica e a humanitária, ele quer apertar o acesso ao generoso estado social austríaco e impor a adequação à lei e costumes nacionais.

Por estes dias Viena está entretida na formação do governo. Tudo indica que Kurz (31.4%) chefiará o executivo em coligação com o FPO de extrema-direita (27.4%), mesmo que ainda não esteja posta de parte uma excêntrica coligação entre FPO e os sociais-democratas (26.7%) ou mesmo o regresso da grande coligação. Qualquer solução, a esta distância, parece incluir um partido iliberal que há décadas se vem movimentando nos corredores do poder de Viena.

Com o ano eleitoral mais quente dos últimos tempos a chegar ao fim, é possível confirmar duas tendências na ordem política europeia.

Primeira tendência: o centro-esquerda está em retração acelerada. A família socialista perdeu todas as grandes eleições do ano na Europa. Perdeu na Holanda, perdeu em França e perdeu na Alemanha. Na República Checa, este fim de semana, deverá acomodar mais um golpe.

O impasse em que os partidos da esquerda se viram – abraçar as causas dos grupos radicais à sua esquerda ou posicionar-se no corrente de centro? – explica parte do problema. Mas não explica tudo.

Os péssimos resultados da esquerda são explicados pelo afastamento do seu eleitorado tradicional. A família socialista, com a sua agenda progressista e bandeiras das minorias, reúne as simpatias das elites urbanas. Mas afastou-se dramaticamente das classes trabalhadoras. Ciclos de eleições provam que os descamisados da globalização têm transitado diretamente da esquerda para as fileiras eleitorais da direita.  

A inversão da pirâmide demográfica, com impacto no modelo de Estado Social, a revolução tecnológica e fenómenos como as migrações e o terrorismo, têm causado erosão violenta nas propostas políticas do centro esquerda. A utopia morreu? Não sabemos. Mas as ideias e as caras da geração do Maio de 68 parecem ter os dias contados junto do eleitorado.

Funcionando em espelho, e esta é a segunda tendência, a decadência da esquerda moderada é amplificada pelo crescimento da extrema-direita. Com resultados fortes em quase todos teatros eleitorais, as formações partidos populistas só não cresceram mais porque os partidos pluralistas no centro-direita intuíram que não podiam entregar o monopólio da indignação e do descontentamento aos extremos. Kurz, e antes dele Mark Rutte, na Holanda, e os Conservadores, no Reino Unido, perceberam que é possível acomodar parte das ideias populistas sem por em causa o liberalismo e as instituições. Com maior força institucional, os grandes partidos podem liderar os termos da discussão evitando guinadas súbitas no governo e na opinião pública. A questão é a de saber se depois de pisarem terrenos populistas, os grandes partidos de centro direita regressam incólumes da viagem.