Helena Lopes da Costa. “Servir e ajudar quem precisa: é isso que nos move”

Administradora para a área da Saúde da Santa Casa sublinhaque a vocação para a assistência médica esteve na génese na instituição. Hoje, além de diagnosticar e cuidar, a prevenção é vital.

Helena Lopes da Costa. “Servir e ajudar quem precisa: é isso que nos move”

Quais são as principais preocupações da Santa Casa na área da Saúde?

Antes de mais é necessário não esquecer que a génese da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML) está na Saúde e na Ação Social; estas são as duas áreas-chave nas quais foi construída esta importante instituição, há 519 anos. Nessa altura, a população mais desfavorecida, e até esquecida, da cidade de Lisboa era ajudada por um grupo de pessoas altruístas e dedicadas, que lhes dava alimento e tratamento, numa época em que ainda não haviam médicos ou enfermeiros. Os séculos passaram, mas quem trabalha na Santa Casa tem a noção plena da importância destas duas áreas e aquilo que representam junto de quem nos procura. Na área da Saúde são várias as preocupações, mas posso resumi-las numa frase: cuidar de quem está doente e prevenir a doença de quem está saudável. 

No dia a dia, acabam por ter esses dois tipos de intervenção?

Como bem sabemos, a Saúde é um bem inestimável que tem de ser cuidado e protegido. Por esse motivo, uma parte substancial do nosso trabalho não se resume unicamente a diagnosticar a doença e a curar, mas igualmente a ensinar a população a adotar comportamentos mais saudáveis, para que possam ter uma vida mais longa e com qualidade. Mas o nosso trabalho é ainda mais vasto. Procuramos manter a excelência que nos é reconhecida, tentamos estar atentos às novas metodologias e técnicas da Medicina. Mantemos também contacto com especialistas estrangeiros para que possamos aprender e trocar conhecimentos, enfim, existe um esforço permanente para não nos acomodarmos e para estarmos sempre em constante evolução. Os nossos utentes, quem depende de nós, merece isso.

Como está a saúde dos lisboetas? Consegue traçar algum cenário?

É difícil traçar um cenário único, até porque existem realidades distintas na cidade de Lisboa. Mas posso dizer com alguma segurança que os hábitos errados são alguns dos principais problemas dos nossos cidadãos. Beber em excesso, fumar e uma má alimentação – este último muitos vezes associado à falta de poder económico – constituem alguns dos principais problemas. 

Têm mesmo um programa nesta área?

Sim. O programa Saúde Mais Próxima, criado em 2012 e no qual Unidades Móveis de Saúde percorrem as ruas e bairros de Lisboa com ações de sensibilização (e também rastreios a algumas doenças) permite-nos identificar as carências económicas e o desconhecimento como as principais causas que originam vários problemas clínicos. Existe ainda outra questão que nos preocupa: o isolamento dos idosos que recorrem às nossas Unidades de Saúde, as quais estão dispersas pela cidade. Esses idosos estão muito sozinhos e isso é muito preocupante, em termos de saúde física e psicológica.

Que necessidades da população têm aumentado mais nos últimos anos?

Não nos podemos esquecer que vivemos, até há bem pouco tempo, uma crise profunda e isso refletiu-se, inevitavelmente, na Saúde. Nesses anos verificou-se um aumento da procura, as pessoas recorriam ainda mais aos serviços de Saúde da Santa Casa. Mas esse é o papel da SCML: servir e ajudar quem precisa. É isso que nos move.

Que estratégias encontraram para responder a essas necessidades?

A Saúde Mais Próxima, que já referi, foi uma das estratégias desenvolvidas. Em vez de esperarmos que as pessoas nos procurassem – e algumas não o faziam por vergonha de assumir as dificuldades económicas – decidimos nós procurar a população necessitada. Numa primeira fase começámos por percorrer todos os bairros carenciados de Lisboa, onde incentivámos os moradores a realizar rastreios, a ouvir os ensinamentos da nossa equipa de profissionais, a incentivar a população a consultar um médico, onde alertámos para a importância de reduzirem o consumo de açúcar, só para dar alguns exemplos. Hoje, decorridos precisamente cinco anos desde que este programa foi criado, mantemos a nossa ação, mas já demos um passo em frente: os rastreios já não são o nosso foco de atuação principal, mas sim a Educação Para a Saúde. A Organização Mundial da Saúde tem alertado que o foco de atuação deverá ser a prevenção e nós concordamos: só ensinando é que será possível mudar hábitos errados e nocivos. E se a cura da doença é importante, não nos podemos esquecer que a prevenção é fundamental!

Além disso, quais lhe parecem, neste momento, os maiores desafios?

Os nossos maiores desafios são aqueles que enfrentamos diariamente: ajudar quem mais precisa, cuidar de quem está doente – e cuidar não é apenas da doença, mas simultaneamente apoiar as pessoas que, muitas vezes, estão sozinhas, sem familiares por perto. Alargar os nossos serviços, manter a qualidade dos nossos cuidados, acompanhar a marcha da inovação, manter a excelência, dar resposta a cada vez mais necessidades,  são alguns dos desafios que temos pela frente. Em suma: Prevenir, Cuidar, Alargar e Inovar, sempre com humanidade, respeito e atenção por todos os que a nós recorrem.

Têm trabalho na área da saúde com minorias, nomeadamente emigrantes?

A SCML está de portas abertas a todos os que precisam; a nossa missão, o nosso core bussiness é ajudar os mais desfavorecidos, os mais carenciados, os que mais enfrentam dificuldades, sejam portugueses, emigrantes ou refugiados. E nesse aspeto, não tenho dúvidas em afirmar que temos sido bem sucedidos.

Este ano têm em marcha diferentes investimentos na área da saúde. Qual destaca e porquê?

É verdade, estão em curso muito projetos distintos na área da Saúde. Há um que quero destacar, não só pela sua importância (na realidade são todos fundamentais), mas igualmente pela sua dimensão, bem como pelo impacto que acredito que terá na Área Metropolitana de Lisboa. Estou a referir-me ao alargamento do Hospital de Sant´Ana, na Parede, o qual será inaugurado muito em breve, daqui a algumas semanas. 

O que tem de especial? 

Confesso que tenho por este projeto um especial carinho… Acompanhei-o de perto desde o primeiro minuto, desde as primeiras reuniões em que muito de debateu sobre a necessidade de um novo hospital, as demolições da infraestrutura devoluta que permanecia naquele local há muitos e muitos anos. Por outro lado é importante não esquecer a importância do Hospital de Sant´Ana, que muitos desconhecem que é propriedade da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. Este hospital é uma referência nacional e internacional na área da Ortopedia mas, precisamente devido à necessidade constante da Santa Casa em inovar e evoluir, precisava já de algumas mudanças: novas infraestruturas, melhor equipamento, novas especialidades… Quando abrir as portas à população – e estamos já em contagem decrescente – os cidadãos passarão a estar mais bem servidos. Acredito que esta é uma obra marcante, para a Saúde das pessoas, para a SCML, para a Área Metropolitana de Lisboa, para os próprios profissionais que lá trabalham, enfim, para todos.

Têm uma rede de unidades de saúde na cidade, como que centros de saúde. Sentem muita procura? O que vos parece que leva os utentes a recorrerem aos vossos centros em vez dos centros de saúde do SNS?

Antes de mais, é preciso fazer um esclarecimento: os utentes do SNS não procuram as Unidades de Saúde da SCML em detrimento do SNS. Os nossos serviços não são concorrentes aos do Serviço Nacional de Saúde, nem tal poderia ser. São complementares. Relativamente à pergunta que me coloca, a resposta é sim, sentimos muita procura por parte dos utentes Santa Casa, que têm com as nossas Unidades de Saúde uma relação muito próxima e de muita confiança. As Unidades de Saúde Santa Casa destinam-se, desde há muitas décadas, aos utentes da nossa instituição, às pessoas carenciadas que detêm o cartão Santa Casa e que usufruem dos nossos serviços. E já que estamos a abordar esta questão posso avançar que, muito em breve, as nossas Unidades serão abertas à população que, se desejar, poderá recorrer aos nossos serviços.

Estão articulados com os serviços públicos e com hospitais e clínicas privadas? 

Existe, naturalmente, uma relação de proximidade entre os nossos hospitais e centros – Hospital de Sant´Ana, Centro de Medicina de Reabilitação de Alcoitão e Unidade de Cuidados Continuados Maria José Nogueira Pinto – com o SNS, através de acordos que são estabelecidos ou protocolos. A intenção da SCML não é estar fechada sobre si mesma, pelo contrário. Tem sido sempre intenção do Provedor da Instituição, Dr. Pedro Santana Lopes, criar uma rede de parcerias com várias entidades, por forma a servir os nossos utentes mais e melhor. E a Saúde não tem sido exceção! 

Já referiu o apelo que tem havido para maior aposta na prevenção. Esta área hoje já uma prioridade para a Santa Casa?  

A prevenção é fundamental na Saúde. Nos últimos anos tem-se verificado uma mudança de paradigma: se antes a prioridade era a cura, atualmente a OMS também incentiva e aposta na prevenção. E não tenhamos ilusões: a prevenção depende da sensibilização, das ações de Educação, que são as apostas do nosso programa Saúde Mais Próxima. Posso-lhe dizer que é verdade que as nossas Unidades Móveis circulam pelas ruas de Lisboa a realizar gratuitamente rastreios à Diabetes, ao Colesterol, à Anemia, a todas as pessoas que assim o desejarem mas, o que realmente considero importante, é o trabalho menos visível da Saúde Mais Próxima, aquele que é feito nas ações de sensibilização nas escolas, nas Universidades… Quero sobretudo destacar o trabalho realizado nas escolas, afinal, ensinar as crianças a adotarem melhores hábitos, e mais saudáveis, é o primeiro passo para mudar comportamentos. Isto, porque as crianças chegam a casa, relatam aos pais o que aprenderam nas ações da Saúde Mais Próxima e pressionam os progenitores a mudar, dizendo “não fumes, porque faz mal” ou “não se deve comer muito açúcar”. A Saúde passa pela prevenção, não haja dúvidas.