Ana Jorge. “O paradigma de saúde mudou muito nos últimos anos. A população mais idosa é muito frágil”

Ana Jorge foi convidada em 2015 para coordenar a nova Unidade de Cuidados Continuados da Santa Casa que vai nascerna Estrela. Com os trabalhos em velocidadede cruzeiro, a médica e ex-ministra acredita que o projeto fará a diferença na região de Lisboa

Vai dirigir a nova unidade de cuidados continuados integrados do Hospital da Estrela da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML). Como surgiu este convite? 

No final de 2015 o Dr. Pedro Santana Lopes, Provedor da SCML convidou-me para fazer parte de um grupo de trabalho cujo objetivo seria refletir e dar um contributo para o futuro do hospital da Estrela, sendo certo que seria dedicado a cuidados continuados. Após uma visita às instalações e conhecendo o potencial, disponibilizei-me para aceitar o convite e estudar o projeto.

Acompanha o projeto há um ano. Dá muito trabalho converter um antigo hospital militar numa unidade de saúde moderna?

O antigo hospital militar da estrela, adquirido pela SCML, é constituído por três espaços diferentes: a torre, antiga casa de saúde da família militar, o edifício central onde funcionava o serviço de urgência, bloco operatório e outros serviços de internamento, e um outro de dimensões mais reduzidas, conhecido como farmácia, mas que nos últimos anos de ocupação tinha serviços de internamento. Na torre vão ser instalados os cuidados continuados de saúde para adultos. Aqui ficarão os serviços adequados a tratar 78 doentes, que é a capacidade de internamento e os respetivos apoios como as diferentes terapias, salas de estar e de refeições, etc. Ficarão alojados ainda os serviços básicos transversais às restantes unidades, como cozinha, armazéns, farmácia, refeitório de pessoal, vestiários de pessoal, etc., que darão resposta às outras unidades a instalar. As unidades de cuidados continuados são estruturas complexas com um grande grau de exigência de forma a cumprir os objetivos de continuidade de cuidados e com grande ênfase na reabilitação e na reintegração na família e na comunidade de origem de cada doente.

Sendo médica e tendo sido ministra da Saúde, considera que tem havido suficiente investimento nacional na área dos cuidados continuados? Fala-se muitas vezes ainda de um sistema de saúde demasiado hospitalocêntrico. O que torna difícil aumentar a resposta nesta área a um ritmo mais rápido?

O paradigma da saúde mudou nos últimos anos. Como é do conhecimento geral, Portugal tem um dos maiores índices de envelhecimento, atingindo um dos maiores da Europa. A par da deste envelhecimento, temos uma maior esperança de vida média, que é superior a 80 anos, mas não acompanhada por mais anos de vida saudável. A nossa população mais idosa é portadora de muitas doenças crónicas e com muitas patologias associadas, logo muito vulnerável e de risco acrescido perante as adversidades de diversa natureza. É muito frágil e suscetível a complicações das suas doenças e intercorrências de saúde, com maior dificuldade na recuperação, necessitando de cuidados mais prolongados, de internamentos mais longos e de apoio domiciliário por equipas de profissionais de saúde com competência nesta área.
A Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados (RNCCI) foi constituída em 2005, necessita de ser repensada e redimensionada, quer com base na alteração do paradigma da saúde, quer também na experiência adquirida nestes anos, com reforço das equipas de cuidados na comunidade e maior capacidade de intervenção no apoio domiciliário. Neste último ano houve um aumento substancial de capacidade da RNCCI, e estão previstas mais unidades pelo menos na RLVT/Lisboa, onde a carência mais, se faz sentir. 

Ainda há muitas pessoas que demoram a encontrar vaga numa unidade de cuidados continuados. Enquanto médica, sente a necessidade de respostas mais céleres? Que queixas ouve de doentes e famílias?

Pelas razões apontadas atrás sabe-se que não tem havido capacidade de resposta imediata quando um doente é sinalizado na RNCCI, e obviamente as famílias sentem frequentemente dificuldades em encontrar resposta para o seu familiar em tempo útil. É necessário melhorar a referenciação dos doentes, com uma mais célere e eficaz comunicação entre os diferentes tipos de cuidados e um maior acompanhamento por parte das equipas coordenação. As unidades de cuidados continuados da RNCCI são unidades de saúde e os doentes devem permanecer, nestas unidades, enquanto necessitam de cuidados de saúde, beneficiam deles e têm potencial de reabilitação. Findo este tempo é necessário voltar a casa ou ao seu ambiente habitual, sendo necessário por vezes encontrar alternativas, quando a situação é só, ou quase, de necessidade de apoio social.

A unidade da Estrela será a maior da região. Que impacto acha que vão ter na cidade?

A unidade da Estrela será uma grande unidade no centro de lisboa, constituída por 78 camas para cuidados de média duração e reabilitação e de longa duração e manutenção. Terá ainda uma outra unidade dedicada ao acompanhamento de pessoas com problemas cognitivos de vários níveis, desde o aprofundar de diagnóstico, ao acompanhamento em áreas de dia e internamento em algumas fases complicadas da doença. Pretende-se que, a Unidade da Estrela, seja uma unidade integrada na rede nacional e com uma forte ligação aos utentes da Santa Casa, constituindo uma nova resposta dos cuidados de saúde. 

Como é que os doentes poderão ser encaminhados para esta instituição?

A Santa Casa celebrou um protocolo com os Ministérios do Trabalho e segurança Social e o Ministério da Saúde para cuidados continuados. As unidades que têm contrato com a RNCCI, recebem doentes referenciados pela própria rede, coordenada pela equipa de coordenação Regional e Local, a que todos os cidadãos nacionais, utentes do SNS têm direito.

Vão ter uma ala para crianças, algo que até ao momento só existe no Norte do país. Sendo a pediatria a sua especialidade, sente que é algo que faz falta na capital?

As unidades pediátricas são no seu objeto específico diferente das unidades de adultos, sendo necessárias, principalmente nos grandes centros como Porto, onde já existe uma, e agora em Lisboa. São destinadas a crianças dos 0 aos 18 anos portadoras de doença crónica complexa, com necessidades de saúde, e em que a figura do descanso do cuidador, de apoio aos pais é muitíssimo relevante.

Há casos de crianças que ficam internadas nos hospitais por falta deste tipo de respostas?

Como disse acima as necessidades de apoio para as crianças e suas famílias é diferente dos adultos. Os casos que ficam retidos nos hospitais por falta destas unidades são irrelevantes. Sente-se a necessidade em algumas situações em que crianças que precisam de cuidados de saúde prolongados, e em que podem ter esses cuidados em ambiente menos hospitalar e ter uma vida mais adequada ao ser criança.Os serviços de pediatria ou hospitais pediátricos têm muita atenção a esta situação, mas a sua preocupação maior terá de ser dirigida para os cuidados de intervenção mais aguda.

Que contributo gostaria que esta unidade desse à cidade de Lisboa? 

Esta unidade poderá ser uma unidade com internamento e centro de dia, articulando com os hospitais da cidade e da grande Lisboa, principalmente, na resposta às crianças e famílias com necessidades especiais em saúde. Permite internamento breve para descanso das famílias, dando uma atenção especial aos irmãos, com centro de dia onde as crianças com cuidados especiais de saúde, que não podem estar nos estabelecimentos de ensino durante algum tempo, podem permanecer durante o dia ou parte do dia, permitindo dessa forma que os pais possam continuar a sua atividade. Espero que constitua um centro de resposta multidisciplinar para a criança com doença crónica complexa, que não existe até agora.