The Paleo Kitchen. Comida do Paleolítico com um toque de chefe

Abriu em Lisboa o primeiro restaurante totalmente dedicado à dieta paleo. No The Paleo Kitchen não há açúcares nem farinhas refinadas e tudo o que vem para a mesa é orgânico e sustentável. Palavra de Paleolítico   

Mesmo para os que entram ainda em modo desconfiado, há um cartaz que promete servir de quebra-gelo. Um homem coberto de peles e com um colar feito de ossos surge ao lado das palavras “mal passado, bem passado e antepassado”. As duas primeiras estão rasuradas, não por não caberem na lógica deste espaço – já lá vamos ao menu -, mas porque é na última que devemos focar-nos (sim, eventualmente temos de desviar os olhos do senhor de peito nu).

Apesar do ar moderno e arejado de um restaurante com pouco mais de um mês de vida a abrir portas em Picoas, foi no passado que Sandra Cardoso Monteiro se baseou para criar The Paleo Kitchen, o primeiro restaurante português totalmente dedicado à dieta do paleolítico. Não espere, no entanto, que aqui se coma com as mãos ou que o obriguem a matar o animal antes de o servirem no prato. Tudo neste restaurante funciona de acordo com as regras do séc. xxi, ficando de fora tudo aquilo que, para os defensores desta dieta, nunca devia ter entrado. Desta lista fazem parte produtos como os açúcares e as farinhas refinadas, os laticínios, os cereais e o glúten. Mas nesta conta de subtrair não há como sair a perder. Afinal, neste espaço só entram legumes e frutas frescas, peixe vindo de pesca sustentável e carne livre de hormonas. Todos estes requisitos fazem com que seja um dos poucos com certificado da SATIVA, empresa da área da certificação biológica.

Apesar do rótulo paleo, Sandra quer fugir aos estereótipos e provar que tem uma casa aberta a todos. “Chamem-lhe paleo, chamem-lhe o que quiserem. Isto é alimentação natural, aquilo que nós estamos preparados para comer.”

Mudar de vida Sandra acredita que para a mudança acontecer, não é preciso voltar ao Paleolítico. “Basta voltar ao tempo dos nossos avós”, diz. Não que se comesse carne de manhã à noite, mas nesse antigamente havia verduras e frutas a todas as refeições e até sopa se comia ao pequeno-almoço, hábito que a empresária trouxe para a sua rotina. Um de muitos, aliás. O café e o pão que servia de menu a todas as manhãs, por exemplo, foram substituídos por um prato de ovos, sobras do jantar e, lá está, um prato de sopa.

Foi em 2013, ano em que foi diagnosticada como doente crónica respiratória, que parou para pensar nos seus hábitos. Os médicos não lhe detetavam problemas a nível respiratório, mas fazia crises de bronquite aguda constantes. “Se não era nada físico, pensei que talvez a alimentação pudesse ajudar.” 

Para isso consultou uma nutricionista e embarcou nesta dieta. “Está ligada ao exercício físico, às preocupações ambientais”, enumera e, talvez por isso, as mudanças foram imediatas. Sabe até, por experiência, que os deslizes se pagam e que, se desde 2013 não tinha uma das malfadadas crises, elas voltaram no final do ano passado, quando se desleixou na alimentação. “Foi a prova de que o paleo é mesmo o melhor para mim”, conclui.

Um primitivo moderno Para tomar a decisão de deixar a área da comunicação para se aventurar num restaurante, Sandra estudou bem o mercado. Percebeu que o biológico estava a crescer, que lá fora já começava a haver espaços dedicados ao paleo e que, em Portugal, o interesse não parava de crescer. Basta ver que o grupo de Facebook “Paleo Descomplicado” tem quase 275 mil membros e já deu origem a uma associação – Paleo xxi – que tem como objetivo a difusão do estilo de vida e alimentação paleo.

Vai daí que não tenha sido surpresa a adesão a este espaço envidraçado que ocupa uma das esquinas da Rua Latino Coelho, em Lisboa. “Tem até superado”, admite Sandra que, se inicialmente abriu em forma de teste e ainda com uma carta aberta a ajustes, se prepara para estabelecer o menu definitivo, com opções exclusivas para jantar e menus especiais para almoço.

Aberto das 9 às 23 horas, assume-se como “um restaurante, um café, um bistrô, um espaço onde as pessoas podem vir a qualquer hora”, refere Sandra, apontando para as opções do menu, que vão desde o pequeno-almoço ao jantar. 

De manhã há ovos mexidos com bacon, panquecas de batata-doce ou parfait de coco, amêndoa com granola e fruta. Durante todo o dia, a ementa divide-se entre wraps, saladas e sopas. Mas esqueça todo o cenário aborrecido que lhe possa surgir na mente. A sopa é, na verdade, um creme de caju e curcuma, e as saladas – umas senhoras saladas btw – são feitas com misturas de legumes, batata-doce, atum braseado ou salmão selvagem fumado na cozinha do restaurante. A frescura dos produtos é tal que faz com que os nossos olhos, habituados às cores pálidas do supermercado, confundam o laranja do salmão selvagem com pedaços de cenoura crua.

À hora de almoço e de jantar, além destas opções, junta-se um toque de cozinha de autor. 

Sandra chamou para o seu restaurante o chefe Luís Ferreira que, num trabalho conjunto com o nutricionista Sérgio Veloso, criou pratos dignos de nota. Há caril de legumes, salmão com risoto cítrico de couve-flor (já ganhou, já ganhou!), salmão fumado com puré de batata-doce e bife da vazia grelhado com legumes.

Para ajudar a empurrar este repasto há sumos de fruta, smoothies, cerveja sem glúten, vinhos biológicos certificados e vários tipos de café de torra artesanal. E pensava que com isto fechávamos a loja? Nem pensar. Há ainda toda uma página do menu dedicada aos “guilty-free pleasures” porque, apesar de aqui não entrar açúcar, não deixam de sair da cozinha coisas como tarteletes de caramelo salgado, cupcakes de cenoura, muffins de maçã e canela ou bolos de chocolate com gelado de coco. É que os do Paleolítico podem ter nascido há muitos milhões de anos, mas sabiam-na toda. 

Outros espaços onde se pode comer paleo

Despensa N6

Quando ainda mantinham os empregos anteriores, um na área da auditoria, outro na da engenharia eletrotécnica, Patrícia Machado e Pedro Dias tinham de andar sempre com as marmitas atrás. Ao almoço, ainda se juntavam ao gangue do tupperware comum a todas as empresas. O que os chateava era a necessidade de andar com snacks atrás, uma vez que, se entrassem numa pastelaria comum, pouco ou nada poderiam comer. Isto porque os dois seguem a dieta paleo, o que implica cortar em tudo o que seja feito com açúcares e farinhas comuns. À falta de um sítio onde tomar o pequeno-almoço ou lanchar, decidiram abrir um. Foi assim que nasceu este ano a Despensa N6, que foi buscar o nome ao número de porta da Avenida Sacadura Cabral, em Lisboa, e à secção de produtos a granel. Aqui, o pão é feito com farinha de aveia e polvilho, e toda a montra de doces leva apenas açúcar de coco e mel. O destaque vai para os dois menus de brunch, disponíveis sem hora e dia marcados. A opção mais económica (8,50 euros) oferece pão com duas pastas de frutos secos, ovos mexidos, sumo, café e um dos bolos do dia. Por 10,50€ mantêm-se as bebidas, mas o prato ganha um toque mais doce com um crepe, um parfait e uma trufa. 

Água no Bico

No Água no Bico não se fecha a porta a ninguém. Foi o primeiro espaço em Lisboa a dedicar uma carta a quem segue a dieta do paleolítico, mas há opções para outros regimes como vegetariano, vegan ou crudívoro. O i visitou o restaurante quando abriu portas, em 2016, na Rua das Gaivotas, para dar resposta a algumas dietas. “Os restaurantes começam a ter uma opção vegetariana, mas lá está, é só uma, e nunca feita com o cuidado dos restantes pratos”, lembrava Nuno Carrusca. O menu muda todos os dias e responde a todas as necessidades. No dia da nossa visita, por exemplo, a tarte era de javali, mas havia a opção de cogumelos para os vegetarianos. A salada quente de cuscuz e legumes era a escolha para os vegans e, para quem não tem restrições, havia migas de bacalhau ou bife de atum. O chefe, que agora, ao fim de semana, aposta no conceito de brunch, lembra que a cozinha portuguesa é feita de pratos que encaixam na perfeição no conceito paleo. “Comemos sangue de porco, iscas, lulas recheadas com carne e peixe. Não há nada mais paleo do que isso”, garante. 

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