China. Depois de Mao, o culto de Xi

O presidente chinês preferiu não apontar um sucessor e quebrar com as regras da última geração. Ao fazê-lo, abre dúvidas sobre a transição de poder e reaviva o culto do líder. 

Xi Jinping escalou em dois dias os últimos degraus que o separavam dos dois grandes líderes chineses dos tempos modernos.

Na segunda, o Partido Comunista da China incluiu o seu nome e escola de pensamento na sua constituição, o que significa que, daqui em diante, a sua doutrina vai ser ensinada aos estudantes e operários chineses, tal como a de Mao Tsé-Tung e Deng Xiaoping – este último só entrou na constituição partidária postumamente.

E, na quarta-feira, o presidente chinês apresentou o Comité Permanente do Partido, que é o seu órgão mais poderoso, exclusivo e concentraria praticamente todo o poder em Pequim se Xi Jinping não tivesse passado os cinco anos do seu primeiro mandato a acumulá-lo na sua figura.

A apresentação do Comité foi o momento mais aguardado deste Comício do Partido Comunista e não tanto por tentar-se saber que nomes ocuparão que cargos nos próximos cinco anos de Governo chinês. O mundo aguardava testar os rumores sobre se Xi se prepara para continuar no poder – de uma forma ou de outra – depois do segundo e último mandato. A tese não está provada, mas ganhou intensidade: os sete membros do próximo Comité Permanente têm mais de 60 anos e estão por isso fora das contas da sucessão.

Xi Jinping, assim como sugeriam vários observadores antes desta semana, foi coroar-se e preferiu não escolher um herdeiro. No dia seguinte, quinta, os jornais publicaram a sua fotografia sobredimensionada nas primeiras páginas, deixando os outros membros quase em notas de rodapé. “É certamente a primeira vez que acontece desde Mao”, diz à Reuters Ryan Manuel, especialista em política chinesa na Universidade de Hong Kiong, falando do controlo rigoroso do Partido sobre a imprensa.

Muito pode acontecer nos próximos cinco anos de política chinesa, mas, seja como for, o mais poderoso líder numa geração já abalou dois alicerces importantes da política moderna: o de uma transição pacífica e relativamente curta do poder, em primeiro lugar, e, além disso, o do fim do culto de personalidade.

Há dúvidas sobre os estragos causados por Xi no primeiro pilar, mas sobre a nova vaga de adoração não parece haver hesitações. O presidente chinês, afinal de contas, reavivou a disciplina e devoção doutrinária do partido, e, nos dias que antecederam o Congresso, por exemplo, organizavam-se excursões ao local onde Xi se exilou por vontade própria quando o seu pai caiu em desgraça nas purgas dos 60.

A introdução do seu pensamento na doutrina partidária é a cereja do bolo de culto fabricado. A sua ideologia não é particularmente transformadora e transporta acima de tudo o pensamento de Deng Xiaoping sobre uma China com um sistema comunista de mercado capitalista para uma era de maior projeção de força – dentro e fora do país.

“Ele está a falar da formulação do socialismo de Deng Xiaoping sobre um socialismo com características chinesas, e adapta-a à sua própria perceção de que existe uma nova era e que lhe permite apagar os seus dois antecessores imediatos”, diz Christopher K. Johnson à revista Atlantic. “O que ele está efetivamente a dizer é que há três eras na história moderna da China: a de Mao, a de Denga e agora a de Xi Jinping.”

A mudança pode perturbar o equilíbrio de poder chinês, embora Xi tenha escolhido os cinco novos membros do Comité Permanente de várias escolas e centros de influência no Partido. Começando pelas dúvidas sobre se ele quer manter-se no poder depois do segundo mandato – tem hoje 64 anos e, daqui a cinco, pode reinventar-se como líder do exército, por exemplo.

“Ainda está em aberto a possibilidade de Xi manter-se para lá de 2022”, explica  Abraham Denmark, diretor do progama asiático do centro Wilson. “Mas mesmo que ele abandone o cargo formalmente, espero que continue a exercer muita influência e controlo sobre a política chinesa por muito do que por aí virá.”