Perdoem-me a ignorância

Há quem nunca tenha acendido uma lareira mas não se coíba de dizer como se propagam os incêndios…

NAS ALTURAS em que acontecem tragédias como a de 15 de outubro, as televisões enchem-se de ‘especialistas’ que parecem nascer do chão. E os comentadores chamados ‘residentes’, bem como muitos jornalistas, são chamados à antena e falam e opinam sobre tudo, mostrando grande conhecimento de todas as matérias. Alguns que passam os dias nos bares de Lisboa não se escusam de explicar como deve ser feita a reforma da floresta. E outros que nunca acenderam uma lareira dizem como se propagam os incêndios. E outros ainda que jamais pegaram numa mangueira para regar o jardim demonstram como se apaga um fogo florestal.

Depois dessas lições de sapiência ficamos todos a saber muito mais. Claro que, quando os ecos das tragédias começam a esbater-se, também tudo o que foi dito se esquece e o país volta à normalidade.

Não sabendo um centésimo do que sabem essas pessoas que nestas ocasiões inundam as TVs (e as rádios e os jornais) limito-me a fazer perguntas sobre coisas que se disseram nos dias seguintes à tragédia de 15 de outubro e que me levantaram dúvidas. Pedindo desde já desculpa pela minha ignorância. 

1. Causas. Falou-se mais uma vez das causas dos incêndios, que são as que todos conhecemos de cor: falta de limpeza das matas, mau ordenamento da floresta, queimadas para proteger as pastagens, mão criminosa, etc. Mas isto acontece todos os anos, e nunca houve tantos mortos. Assim, o importante não seria falar antes do que aqui correu de maneira ‘diferente’ e explicará tantas vítimas? Será por acaso que já morreram 110 pessoas este ano ou houve falhas muito graves no combate ao fogo e na proteção das populações?

2. Prevenção. Fala-se muito em ‘prevenção’ para evitar os fogos. Mas não devia falar-se mais em ‘deteção’? É que a primeira hora de um fogo é decisiva. No início, um incêndio combate-se com uma mangueira; mas uma hora depois nem um batalhão de bombeiros poderá chegar. Não fará sentido, por exemplo, criar uma rede nacional de torres de vigia (que já existiram em diversas zonas) destinada à deteção precoce dos fogos, permitindo o combate na fase inicial? E, já agora, não poderiam utilizar-se drones para fiscalizar as matas, permitindo até localizar incendiários?

3. Limpeza das matas. Diz-se constantemente que a falta de limpeza das matas é um dos grandes fatores de propagação dos fogos. Mas será possível manter todas as matas limpas, quando os proprietários ascendem a dezenas de milhares e muitos deles nem se sabe quem são? Não será uma ilusão acreditar nisso? E, mesmo que fosse possível, não teria algumas desvantagens? As folhas, as cascas das árvores, os frutos silvestres, tudo o que vai caindo das árvores para o chão forma uma camada de matéria orgânica que aduba naturalmente o terreno. Se este for rapado de modo severo e frequente o solo não irá ficando progressivamente mais pobre e árido? E mais vulnerável à erosão? 

4. Eucaliptos. Quase todos apontam os eucaliptos como os grandes aliados dos incêndios florestais e o Governo já proibiu novas plantações. Mas há incêndios nas áreas de eucalipto pertencentes às empresas de celulose? Se não há, poder-se-á concluir que o problema não é do eucalipto mas da forma como são geridas as plantações? 

5. Nacionalização de terras. Para ‘resolver’ problemas como a falta de limpeza das matas, há quem defenda a nacionalização dos terrenos cujos proprietários não cumpram a lei. Mas isso será mesmo solução? Se o Estado não consegue cuidar daquilo que é seu – como o Pinhal de Leiria, que ardeu 80% – como iria dar conta de milhares de terrenos dispersos pelo país? 

6. Proteção Civil. Antigamente, o combate aos fogos era coordenado por técnicos florestais e executado no terreno pelos bombeiros, ajudados pelas populações. E ainda havia os guardas florestais. Era todo um conjunto de profissionais ligados à floresta. Entretanto, criou-se a Proteção Civil, que passou a coordenar as operações. E essa mudança não terá sido perniciosa? O facto de se substituírem profissionais por políticos (a Proteção Civil é muito vulnerável a influências políticas) não terá contribuído para agravar os problemas? Por que será que hoje existem muito mais meios – mais pessoal, mais carros, helicópteros, aviões, equipamento sofisticado, SIRESP, GPS, etc. – e as tragédias assumem proporções muito mais graves? 

7. Teorias da conspiração. Houve quem falasse em ‘ações criminosas’ para deitar abaixo a ‘geringonça’. Mas, se foi uma ação planeada com tempo, não era mais natural que tivesse sido ‘marcada’ para agosto ou setembro, quando havia a certeza de estar calor? E se foi uma ação decidida à última hora, para aproveitar o último fim de semana antes da chuva, terá sido marcada como? Por telemóvel? Por sms? E os serviços de informação não deram por nada? Ou tratou-se antes de uma coisa espontânea, com os incendiários, sem terem combinado nada, a virem todos para a rua com tochas para pegarem fogo à floresta? 

Enfim, são perguntas que faço, com a humildade resultante da minha ignorância. Responda quem souber.