Marcelo/Costa. Os mistérios do casal que discute a relação em público

Já se sabe que quando duas pessoas andam a discutir a relação, as coisas já viram melhores dias. Se o fazem em público, é mais ridículo. Quando elas são PM e PR, é desgastante para o regime.

Já se sabe que quando duas pessoas andam a discutir a relação, as coisas já viram melhores dias. Se o fazem em público, é mais ridículo. Quando elas são PM e PR, é desgastante para o regime.

“Solidariedade institucional.” Marcelo Rebelo de Sousa fez ontem uma longa dissertação sobre o que é e para que serve a “solidariedade institucional”. Até aqui, as relações entre Presidente e primeiro-ministro costumavam reger-se pela “cooperação institucional”. Mas talvez “solidariedade” seja melhor numa altura em que muitos socialistas – uns mais discretos do que outros – acusam o Presidente de ter sido “desleal” no famoso discurso em que praticamente pôs o governo sob sua tutela.

Então o que é, ao fim e ao cabo, a “solidariedade institucional” de que fala o Presidente? Passamos a citar: “A solidariedade institucional é mais do que franqueza, lealdade, informação, colaboração, entre níveis diferentes de poder e com responsabilidades diferentes. É até mais do que empatia ou amizade. Tudo isso existe, existiu e vai existir, mas a solidariedade institucional é, sobretudo, um compromisso com os portugueses.” Traduzindo por miúdos: Marcelo autojustifica-se por ter sido bastante bruto com o governo no discurso que funcionou como ultimato. Nunca esteve em causa a “lealdade” do Presidente ao governo – “tudo isso existe, existiu e vai existir” –, mas Marcelo Rebelo de Sousa obrigou-se a ser fiel ao seu “compromisso com os portugueses”.

 

Erros e fracassos

O Presidente da República afirmou ter tomado nota da admissão dos erros feita pelo governo, nomeadamente o reconhecimento que o primeiro-ministro fez, durante a entrevista à TVI, de ter “subestimado” os riscos do dia 15 de outubro, nomeadamente a passagem do furacão Ophelia. “Neste momento em que todos já reconhecemos erros e fracassos”, agora é altura de “arregaçar as mangas e trabalhar.”

“Temos sete meses até ao próximo verão, menos de dois anos até ao fim da legislatura. E, portanto, é dar vida à solidariedade institucional ao serviço do mais importante, que é ao serviço dos portugueses.”

O Presidente fez questão de enfatizar que a “solidariedade institucional serve para ir ao encontro do que os portugueses sentem e necessitam” e que a relação de “solidariedade institucional” – isto é, a relação entre o Presidente da República e o primeiro-ministro “só cumpre a sua missão se não descolar dos portugueses”.

Foi precisamente o facto de achar que António Costa estava a “descolar dos portugueses” que levou Marcelo Rebelo de Sousa a fazer a comunicação ao país de 17 de outubro, em que pediu desculpas aos portugueses pelos incêndios do verão, em que perderam a vida mais de 100 portugueses. Nesse discurso, o mais duro de sempre de um chefe de Estado para com um primeiro-ministro em funções, Marcelo afirmava que utilizaria todos os poderes para que a questão dos fogos em Portugal fosse resolvida – aliás, afirmava que o seu mandato estava comprometido com isso e dependente disso.

Apesar de ter pedido ao PS para acalmar os seus ataques ao Presidente da República, como noticiava o semanário “SOL”, na entrevista à TVI, António Costa não deixou de dar sinais de que subsistia algum “choque” na pessoa do primeiro-ministro depois do discurso violento do Presidente – nomeadamente quando referiu que seria “uma enorme perda para o país [se a sua relação com Marcelo] fosse prejudicada” ou que “o país já tem um excesso de problemas para acrescentar os problemas institucionais ao que já existe. Já chega o que há”. A dupla que discute a relação dirige o país.