Fotografias de infância que já não voltam

No colégio onde andei todos os anos recebíamos (ou comprávamos) um anuário onde constavam todas as fotografias de turma, nome, nome dos pais, morada e número de telefone de cada aluno, bem como fotografia e nome de todas as professoras.

Nas escolas públicas também há muito que se tira uma fotografia de turma para ficar para a prosperidade e mais recentemente cada aluno pode também tirar várias fotografias com diferentes cenários e finalidades.

Desde sempre os pais escolhem se aceitam que o seu filho seja fotografado. Inicialmente a escolha prendia-se principalmente com a disponibilidade financeira para comprar a fotografia. Mais recentemente passou a tratar-se também de uma questão de privacidade.

Para além destas fotografias anuais as escolas começaram a tirar fotografias a algumas atividades desenvolvidas ao longo do ano ou a ambientes escolares, que divulgam na sua página de internet. Esta exposição não consentida dos alunos tem suscitado muita polémica. Começaram então a circular nas escolas, no início de cada ano, folhas em que os pais dão ou não consentimento que o seu filho seja fotografado para divulgação interna ou externa e estão também em vigor uma série de diretrizes que as escolas deverão cumprir rigorosamente contra pena de pagarem uma multa pesadíssima.

Até aqui tudo bem.

Acontece que este ano algumas escolas, imagino que as mais prudentes ou receosas, com base no novo Regulamento Europeu para Proteção de Dados (que deverá entrar em vigor em Maio do próximo ano), decidiram que o fotógrafo que se desloca à escola não poderá tirar fotografias de grupo. Ora se os alunos só são fotografados mediante a autorização dos pais, como é possível impedir que todas as outras crianças que os pais autorizam serem fotografadas não possam ter uma memorável fotografia de turma?

Entendo a preocupação e o cuidado de alguns pais, embora não seja dos que sentem o perigo a cada esquina. Parecem-me exageradas estas medidas que começam a ter influência em coisas simples e básicas da nossa infância. Sem as fotografias de turma que foram tiradas ao longo dos anos como poderia eu recordar com tanta clareza todos os meninos com quem brinquei ou a educadora e professoras? Não é já demasiado elaborado imaginar que essas fotografias pedidas e entregues aos pais poderão ir parar a mãos mal-intencionadas? Será que desconfiam do fotógrafo? E se há já pais que não autorizam a presença dos seus filhos nessas fotografias por que razão os outros não as podem ter?? Não estaremos nós a caminhar para um mundo pouco saudável de paranoia?

Mas não são só as fotografias. São as grades até ao céu que protegem as escolas, a distância que se instala entre pais e professores, as regras restritíssimas que se aplicam em algumas situações banais, ver os meninos a brincar do outro lado das grades como se estivessem numa prisão. Entendo que todo o cuidado seja pouco e para a proteção dos nossos filhos, tudo. Mas não deixa de me fazer confusão este estranho mundo em que vivemos, sempre no medo e nas conjeturas elaboradíssimas.

Que saudades do anuário do colégio, em que tudo era harmonioso e não havia medo de ninguém. Vou guardá-los bem. Embora ainda os façam, daqui a uns anos serão uma relíquia, de um tempo de confiança que já não volta.