Pedro Curto. “Maior parte do financiamento das empresas já não vem da banca”

Configurar o modelo de risco para o negócio e saber qual a probabilidade de incumprimento de um devedor é o serviço da Axesor às empresas 

A Axesor, especializada no fornecimento de soluções avançadas para a gestão integral do risco de crédito comercial e também agência de rating, começou a trabalhar em Portugal numa operação enquadrada no plano de internacionalização em que investiu mais de 20 milhões de euros. Em entrevista ao i, o general manager da empresa em Portugal, onde conta com 15 colaboradores, fala sobre o crédito e o seu risco, o rating, e de como a tecnologia sobre a qual assenta a empresa espanhola ajuda a financiar as empresas, em especial as PME. 

O que é e como funciona a gestão de risco de crédito?

Uma das componentes da gestão de risco de crédito é tentar encontrar um modelo de risco que tenha uma maior capacidade preditiva. Quando se olha para uma carteira de devedores ou clientes é conseguir perceber qual é a probabilidade de incumprimento que aquele meu devedor vai ter. Isto são questões que, por exemplo, a banca e o setor financeiro têm de ter muito bem apuradas, e têm muitas pessoas a trabalhar nesta área. E o desafio da Axesor e o objetivo era conseguir configurar o modelo de risco à medida de cada negócio. Quando uma empresa começa a ter dificuldades em cumprir os seus compromissos com os seus fornecedores vai ser criteriosa e selecionar a quem é que vai deixar de pagar primeiro. Cada entidade representa uma probabilidade de incumprimento diferente para cada um dos fornecedores. Aqui, o grande objetivo foi conseguir tornar isto economicamente viável, personalizando o modelo de risco para cada atividade e, depois, também ajudar as empresas em tudo o que é risco de crédito. 

O modelo é transversal a empresas de todos os setores e de todas as dimensões? 

Estamos a falar numa área concreta de business to business (B2B). Não estamos a falar de empresas de retalho que vendem a particulares. Os modelos de risco são feitos para aquilo que se chama o risco de crédito comercial. E obviamente que faz sentido para todas as entidades que se preocupam com o tema e querem a melhor forma de gerir o risco de crédito – é sempre uma verdade universal –, mas também é verdade que faz mais sentido quanto maiores forem as carteiras de clientes. Todas as atividades podem beneficiar desta solução. O valor que trazemos às empresas é proporcional à carteira de clientes.

Em que se diferencia a Axesor? Em que é inovadora?

Tem uma plataforma que acaba por pôr em prática aquilo que é desenvolvido na fase da consultoria. Desde logo, o modelo de risco que é desenhado, que resulta na criação de três indicadores que são muito importantes para a gestão de risco de devedores, dos clientes da carteira: uma probabilidade de incumprimento, um limite de crédito e até um índice de comportamento de pagamentos. Estes três indicadores ficam desde logo calibrados e ajustados ao negócio da empresa e depois essa plataforma vai ligar-se ao ERP (Enterprise Resource Planning) das empresas. Estamos a falar de todos os sistemas de faturação e todos os sistemas de contabilidade que todas as empresas têm de ter. O que fazemos é investir em conectores para essa panóplia grande de software que há no mercado, que são os sistemas de faturação das empresas, ligamos ao sistema e conseguimos dessa forma que esta plataforma seja um espelho fiel daquilo que é a atividade da empresa. Toda a carteira de clientes é gerida e está sempre atualizada ou, pelo menos, no dia seguinte, devido à ligação aos ERP, e isso torna a plataforma muito única. Conseguimos que o cliente veja num único sítio a informação interna que tem de cada um dos seus devedores, mais o nosso modelo, que atribui os indicadores de risco a cada um dos seus devedores. 

É um modelo preditivo, com base num algoritmo, que vive muito dos dados. Como é que funciona? 

Começamos por calibrar este modelo preditivo através do próprio histórico do cliente. Na fase da consultoria analisamos um histórico de três anos de faturação e recebimentos. E esse historial já nos vai permitir ajustar o modelo que temos, um modelo que já tem uma estrutura, já está maquetado, já tem componentes setoriais. Mas nesse momento fica de imediato ajustado àquilo que foi o histórico e o comportamento dos clientes nos últimos três anos. Depois juntamos em tempo real informação financeira, que é informação pública – informação financeira de cada devedor, informação de registo comercial, tudo isso vai sendo incorporado no modelo. Por isso é que o risco é algo que é dinâmico. Todos os dias vai mudando.

O modelo de negócio é todo online? 

O valor que vamos trazer às empresas é libertar os recursos que têm, e alguns têm muito valor, que estão agarrados a procedimentos diários de controlo e extração de informação, a trabalhar informação com vários fornecedores para ajudar nesta área da gestão de risco de crédito, e que obriga a haver sempre pessoas para controlar isto tudo, que está tudo muito disperso. Desde logo, e através da plataforma, tudo o que é possível automatizar, tudo o que seja estratégias de recebimento, a parte toda dos motores de aprovação, o escalar das decisões de aprovação de crédito, tudo isso fica incorporado no software. Ou seja, vamos libertar as pessoas que são necessárias para tomar decisões. A máquina não vai decidir por ninguém. Vai auxiliar na decisão, mas haverá sempre alguém que vai ter de decidir. E as pessoas terão de lidar com informação confidencial, ou informação de mercado, ou informação que não é possível incorporar nestes modelos. Por isso é que as pessoas e o valor das pessoas têm de estar nas empresas.

Esta plataforma usa já algoritmos de aprendizagem? É dinâmica na sua construção?

Essa é a componente dos modelos. A maior parte dos modelos preditivos tem uma raiz que vem da matemática, os modelos estatísticos preditivos que usamos na maior parte dos casos, a que chamamos mais tradicionais e que funcionam e que servem para o objetivo. O objetivo é sempre o mesmo: conseguir dar uma probabilidade de incumprimento. E depois há dois caminhos que podem ser seguidos: ou utilizamos esses modelos mais tradicionais, de raiz matemática, ou vamos para a parte da computação, que neste momento e em determinados contextos é bastante mais eficiente, desde logo porque tem essa capacidade de aprendizagem. Ou seja, não necessitamos de estar a calibrar o modelo quando se incorporam novas variáveis, o que é algo muito trabalhoso nos modelos tradicionais. Necessita é de ambientes e contextos de big data. Utilizando os dados do cliente, podemos logo trabalhar com os dados e experiência do cliente e depois isto faz com que esses modelos se tornem muito inteligentes e se vão ajustando. Todos os dias há uma dinâmica muito importante. Sempre que há atrasos de alguns devedores nas carteiras de clientes, isto vai sendo registado. Os padrões de comportamento são registados e a capacidade preditiva do modelo cresce com o tempo. 

Consegue traçar um quadro do crédito em Portugal, do risco de crédito? 

O risco de crédito, ou seja, o crédito comercial acaba por ser uma forma de financiamento. Ou seja, quando estou a dar crédito a um cliente meu, estou a facilitar as condições de pagamento. E quando digo “pode pagar a 90 dias” estou a financiar os meus clientes de alguma forma. E isso tem um custo para mim, como tem um custo de financiamento bancário, porque eu tenho de suportar a minha tesouraria nesse período. O crédito comercial são créditos que são dados de empresas para empresas e, nesse aspeto, é bastante superior, em termos de volume, ao crédito financeiro, ao crédito bancário, porque todas as empresas têm essa necessidade. Preciso de dar crédito aos meus clientes porque de certeza que vão encontrar outros clientes que o vão fazer. As áreas onde isto se torna mais importante são aquelas em que há muitos clientes com poucos volumes. Por exemplo, o setor têxtil, que vive à custa de poucos clientes, é um setor muito exportador, mas os volumes de crédito são brutais e a responsabilidade que se assume na concessão de crédito é também brutal. Aí estamos a controlar 300 clientes. Se eu tiver 2 mil pequenos clientes, parece que o risco é menor, mas como a carteira é muito grande, a probabilidade de repetição de qualquer incumprimento vai ser muito danosa para a tesouraria. 

Onde há mais incumprimento? Nos grandes ou nos pequenos? 

Eu diria que nos pequenos. Temos setores em que o risco de crédito, hoje em dia, é muito complicado de gerir. Tudo o que seja fornecedores do canal Horeca, por exemplo. É um setor que tem muita volatilidade. Estão sempre a abrir novos cafés, novos restaurantes, novos bares. Depois uns não sobrevivem, fecham. Ou seja, todas as empresas que trabalham enquanto fornecedores deste canal têm uma grande preocupação com a gestão do risco de crédito. É um setor bastante difícil de trabalhar em termos de risco de crédito. Também tudo o que está à volta do setor automóvel, das oficinas, das reparações é um setor com alguma volatilidade em termos da capilaridade e da velocidade a que este negócio muda em termos de consumidores finais também.

Da dinâmica da Axesor, como surge o rating? 

O objetivo de passarmos a ser uma agência de rating estava conceptualizado não como tendo uma atividade exclusivamente para o rating, mas para nos ajudar a chegar a este modelo Axesor 360 que estamos a vender hoje. Mas como estamos numa atividade que não tem qualquer tipo de regulação à data de hoje, por enquanto, tivemos necessidade de sermos regulados. E o que estava mais próximo até era o rating, Queríamos que a nossa atividade e a nossa estrutura tivesse algum tipo de certificação também porque, desde logo, o projeto de sermos uma agência de rating não é só para o produto em si, mas como é muito exigente em termos de estrutura, de governance, de transparência, tem tudo o nós queríamos para crescer. 

Mas usam os modelos preditivos para incorporar informação no rating?

Ajuda-nos desde logo o modelo preditivo, porque nos dá um scoring de crédito à empresa que estamos a analisar, e isso auxilia-nos bastante, esta bagagem e esta experiência que já temos na parte mecânica. Depois, todo o processo de rating é um processo longo, demorado, em que há muita troca de informação, inclusivamente confidencial, inclusivamente com a entidade que está a ser analisada. Em termos comerciais, é um produto distinto. Estamos a falar numa ótica de ajudar as empresas na sua procura de financiamento alternativo ao financiamento bancário. Estamos também a democratizar um bocadinho estas coisas sofisticadas, como o rating e os modelos de risco à medida, e trazer isso para as PME. Estamos a democratizar o acesso aos modelos personalizados de risco e ao rating. 

Este desenvolvimento tecnológico vai mudar o paradigma do financiamento do crédito do sistema financeiro global? 

Quando se fala de fintech, estamos a falar sempre de entidades que disponibilizam serviços financeiros. Nesse aspeto, a Axesor não se enquadra como um prestador de serviços financeiros, mas é verdade que pela sua natureza, pela área onde está, numa área de concessão ou de avaliação de risco de crédito, ela está diretamente relacionada com as fintech porque, sendo as fintech, ou o seu contexto, uma necessidade de utilizar a tecnologia para descobrir e para facilitar e criar novos serviços financeiros, a análise de risco de crédito está sempre presente nessa atividade. Por isso é como se fôssemos uma peça do puzzle que compõe as fintech. Estas estão efetivamente a mudar o panorama dos serviços financeiros, isso claramente. Existem já formas alternativas de financiamento. O crowdlanding, o crowdfunding, a parte toda de peer-to-peer, o evitar intermediários financeiros nas transações e nas operações de financiamento, juntar investidores e startups de uma forma muito fácil e rápida, e pôr isto tudo a andar, tem tudo a ver com como tornar estes processos e serviços financeiros mais rápidos, mais simples, mais democráticos, e aí as fintech estão a fazer a diferença.