Gal Costa. “A minha história é rica e cheia de mudanças”

Uma conversa com Gal Costa sobre 50 anos de carreira é percorrer a história do Brasil desde a ditadura até à Operação Lava Jato. A baiana exerceu o voto através das canções que agora revê em “Espelho D’Água”. Dias 10 e 11 no Campo Pequeno e 12 no Coliseu do Porto

As canções são sempre o postal de um tempo. Pessoal ou coletivo, particularizam pensamentos e emoções que só o público pode eternizar. Na próxima semana, Gal Costa regressa como sempre a Portugal, mas não exatamente dantes, para se ver ao espelho através da história do Brasil nos últimos 50 anos. O repertório será apresentado em moldes minimalistas de voz, violão e guitarra. Canções de uma geração como “Modinha para Gabriela”, “Baby”, “Meu nome é Gal”, “Tigresa” e “Meu Bem, Meu Mal” para as novas gerações compreenderem o que custou a liberdade. Sem paternalismos porque a felicidade de ainda poder cantar não tem fim. A tristeza pelo momento político do Brasil, sim- 

Sabe quantas canções suas podem ser encontradas na Internet?

Não sei. São tantas. Só discos são mais de 30.

546.

Nossa…

Se as canções são como filhos, como é que se faz uma retrospetiva com uma família tão extensa?

Na verdade, a retrospetiva é o “Estratosfera”, álbum [de 2015] com uma pegada mais rock. Este partiu do convite de um teatro para apresentar um formato mais intimista. Vou estar acompanhada pelo acompanhada pelo músico Guilherme Monteiro, no violão e na guitarra. Tem muitas canções conhecidas escolhidas a dedo pelo [jornalista e produtor] Marcus Preto. Ele conhece a minha carreira, do princípio ao fim, e é um parceiro de trabalho excelente. Garimpámos várias canções para escolher as mais emblemáticas. Quis que os jovens conhecessem e que a minha geração reencontrasse um período da minha história que é rica e cheia de mudanças.  Através da música vou contar muitas das histórias que vivi, e que são muitas nestes 50 anos.

Que período é esse?

É o repertório do tropicalismo, com o repertório dos anos 70 e 80. Muita gente sente afinidades com essas canções. E hoje há uma geração mais nova que se interesse pelo tropicalismo e quer saber mais sobre o que aconteceu nesse tempo. Quis que os jovens conhecessem essa música. E os mais velhos vão poder reouvi-las de novo. 

Como é que se sente perante um número tão redondo como o de 50 anos de carreira?

Tenho 72 anos, mas não me sinto com essa idade. O meu espírito é mais novo. Não me sinto velha. A diferença entre a Gal mais nova e a de agora é só a experiência. Cuido do físico e treino. Não para parecer que tenho 30 anos mas para poder estar preparada para o desgaste natural dos concertos e das viagens. 

A escolha deste repertório está relacionada com o momento político do Brasil?

Não, eu já as tinha escolhido antes dos últimos acontecimentos.

Encontra alguma relação entre os dois períodos?

Aquele tempo era uma época horrorosa de ditadura. Agora não. O Lava Jato é uma expurgação.
Vários artistas brasileiros têm manifestado vontade de abandonar o país. Imaginava-se a deixar o Brasil?
Vivo muito no Brasil. Não me imagino noutro lugar. No fundo, o que está acontecer é positivo porque estamos a caçar os ladrões que roubam o que não é deles. Desde o tempo de [Pedro Álvares] Cabral que é assim o toma-lá-dá-cá. O dinheiro é do povo. Não se pode roubar! Agora, sabe-se é mais do que antes mas aqui é tudo muito exacerbado.  

Acredita na prosperidade do Brasil?

Acho que sim. Eu sou otimista. Acredito que vamos dar a volta. O que eu quero é olhar para a frente e recuperar o que era revolucionário.

A música contribuiu para aumentar o ânimo geral? 

Nós, artistas, trabalhamos para melhorar o país. O nosso papel é essencial porque existe uma grande intolerância. O mundo está um horror. Está doente e para acabar. O que nós fazemos é tentar trazer mais amor para dar. 

Deu inúmeros concertos em Portugal. Há algum que ainda hoje recorde?

Sinto uma grande ligação desde os primeiros espetáculos. Uma vez estava a cantar no Coliseu dos Recreios e, de repente, a plateia começa toda a olhar numa direção. A Amália Rodrigues tinha ido ver-me. Convidei-a para subir ao palco e foi uma grande ovação. Tenho mais ligações a Portugal porque o meu avô é madeirense. Veio na época da peste. Falamos a mesma língua, só o sotaque é que é diferente. É muito bom poder voltar a Portugal para matar saudades do público e de um país onde sempre fui muito bem recebida. 

Durante muitos anos, os cantores brasileiros eram muito bem acolhidos em Portugal mas o contrário não acontecia. Isso parece estar agora a mudar. Tem-lhe chegado alguma música portuguesa? 

Bem, havia a Amália Rodrigues que era uma das maiores cantoras do mundo. Da nova geração, conheço e gosto muito do António Zambujo, da Ana Moura e da Carminho.