Catalunha volta a acender o rastilho

A acusação do Estado espanhol e a Audiência Nacional voltaram a encher as ruas de independentistas. A prisão dos líderes catalães ameaça incendiar tudo até às eleições.

Catalunha volta a acender o rastilho

O jornal catalão La Vanguardia passou um vídeo, da agência Reuters, em que se escutam três agentes da Polícia Nacional espanhola a insultarem o vice-presidente do Governo catalão, Oriol Junqueras, quando este era transportado para a carrinha que o conduziu à prisão.  Os polícias referiram-se a Junqueras, como ‘o ursito’, e entre risos e gestos, de caráter sexual alusivos, diziam a rir: «ursito, verás o que te fazem na prisão, até te vão pôr em quatro patas e abrir-te o olho».

O advogado do vice-presidente do Governo catalão, Andreu Van den Eyden, afirmou que as condições de transporte do líder catalão, e principal dirigente da Esquerda Republicana da Catalunha, «foi propositadamente humilhante e que a polícia goza de um espaço de uma enorme impunidade para mal tratar os detidos e presos». Na sequência da divulgação deste vídeo pelo jornal La Vanguardia, a Polícia Nacional espanhola difundiu um tweet na sua conta oficial de Twitter, em que diz que vai abrir um inquérito aos factos sucedidos.

A decisão da juíza do tribunal da Audiência Nacional Carmen Lamela, de seguir a recomendação da acusação do Estado, de colocar em prisão preventiva, sem direito a fiança, os vice-presidente do Governo catalão Oriol Junqueras e os ministros desse mesmo executivo, Jordi Turull, Raül Romeva, Meritxell Borràs, Joaquim Forn, Josep Rull, Carles Mundó y Dolors Bassa e de emitir uma ordem de detenção internacional para o presidente catalão Carles Puigdemont incendiou novamente a região da Catalunha. Já na quinta-feira, milhares de pessoas saíram às ruas para protestar contra a detenção «destes presos políticos». Concentraram-se centenas delas, às 12 horas, frente à sede do Governo e da Câmara Municipal de Barcelona, na Praça de Sant Jaume, e às 19 horas, dezenas de milhares de catalães manifestaram-se junto ao Parlamento. Durante essa tarde, a presidente da Câmara de Barcelona, Ada Colau, emitiu um comunicado em que exigiu o fim da aplicação do artigo 155, e a «libertação do legítimo Governo da Catalunha eleito pelo povo».
Como afirmou ao SOL, o jornalista da TVE, Lluís Falgàs, estas prisões, «dão um novo alento ao independentismo e podem fazer que concorram às eleições uma coligação alargada de partidos e movimentos sociais independentistas, eventualmente encabeçados pelos homens detidos na prisão, como os líderes da Assembleia Nacional Catalã e da Òmnium Cultural». (ver entrevista nas páginas seguintes).

As reações no mundo político foram previsíveis, com os partidos independentistas condenaram as prisões e apelaram à mobilização dos catalães, com a CUP a apelar à saída para as ruas e à resistência e às a paralisações nos locais de trabalho contra «a repressão do Estado». O coordenador do Podemos da Catalunha, Albano Dante Fachim, em rutura com Pablo Iglesias em Madrid, afirmou que «é preciso estar à altura do povo que saiu a 1 de outubro [ dia do referendo pela independência]», com o porta-voz do grupo Sí Que es Pot, Joan Coscublieba, em que se integram os Comunes, de Ada Colau, e o Podemos, a garantir que lhe «vai ser difícil esquecer este dia negro para a democracia». 

Por sua vez, os partidos unionistas reagiram com matizes, tendo os socialistas garantido que «acham a decisão da justiça demasiado pesada, mas que respeitam a independência da justiça»; e o líder do PP catalão, Xavier Albiol, o mesmo que disse que caso as eleições de 21 de dezembro não derem o resultado desejável, seria necessário um novo 155, a afirmar que o presidente Puigdemont «é um cobarde que fugiu à justiça para não prestar contas de todo o mal que provocou à Catalunha». Por fim, o partido que lidera a oposição aos independentismo, o Ciudadanos, pela voz da sua chefe na Catalunha, Inés Arrimadas, limitou-se a declarar que já tinha alertado que os responsáveis pelo processo catalão, se insistissem nas ilegalidades iriam, «naturalmente», acabar assim.

Na sociedade civil catalã as reações avolumam-se, com o FC Barcelona a condenar em comunicado a prisão dos líderes catalães. O antigo treinador do clube, atual técnico do Manchester City, Pep Guardiola, voltou a condenar o Governo espanhol e a mostrar a sua preocupação: «se aconteceu com eles, pode acontecer com toda a gente. Nós só queríamos ter o direito a votar. Os membros do Governo estão presos por cumprirem o programa político com que se apresentaram e ganharam as eleições», disse. «Oxalá as eleições de 21 de dezembro sejam limpas», concluiu.

Na sexta-feira, a Audiência Nacional voltou a recusar um recurso para a libertação dos líderes do ANC e Òmnium Cultural presos, Jordi Sánchez e Jordi Cuixart. Na sede da associação independentista, o ambiente é de quartel em vésperas de mobilização. Os telefones não param de tocar. Chegam pessoas para buscar materiais de propaganda e para se oferecerem como voluntários. Há ações e manifestações marcadas para os próximos dias, com realce para uma grande manifestação no próximo domingo, 12 de novembro. Uma marcha a que se associam também os partidos racionalistas do País Basco.

Sobre a ideia que os independentistas esperavam a Europa e que, depois do referendo de 1 de outubro e da greve geral de 3 de outubro, não sabiam muito bem o que fazer, o responsável da comunicação do ANC, o catalão de origem portuguesa Adrian Alsina não nega, mas explica a situação ao SOL: «na última reunião que tivemos com o presidente Puigdemont foi-nos dada uma explicação clara da razão das hesitações: Madrid afirmou que se houvesse uma declaração de independência com resistência pacífica nas ruas e nos ministérios, mandava avançar os tanques e muita gente inocente iria sofrer».

Para o ANC, o caminho que dizem querer trilhar é só um, como nos garante o atual líder do movimento, Agustí Alcoberro, preso pela primeira vez aos 16 anos pelo franquismo, por ser militante das juventudes revolucionárias catalãs: «é ganhar as eleições de 21 de dezembro. Fazer delas a confirmação do referendo de dia 1 de outubro.»