“As pessoas levam o telefone para a cama em vez de namorar”

Jorge Gravanita Presidente da Sociedade Portuguesa de Psicologia Clínica    Como olha para este objeto que passou a ser quase uma extensão de nós? Acaba por ser como um órgão que nos falta para estar em contacto com o que não está perto. Podemos falar, ter notícias, receber um conjunto de estímulos e imagens que…

Jorge Gravanita

Presidente da Sociedade Portuguesa de Psicologia Clínica 

 

Como olha para este objeto que passou a ser quase uma extensão de nós?

Acaba por ser como um órgão que nos falta para estar em contacto com o que não está perto. Podemos falar, ter notícias, receber um conjunto de estímulos e imagens que acabam por preencher uma dimensão virtual, mas que é também psíquica, que dantes ocupávamos mais em termos de imaginário. Deslocamos para o telemóvel essa dimensão e ele acaba por ter essa função alienante, coloca-nos fora do aqui e do agora. Está ao alcance da mão aceder a uma dimensão alternativa que substitui o presente, que de alguma forma é sempre lacunar.

Vê mais perigo ou mais vantagens?

A questão passa por saber até que ponto esse grau de alienação é manejado de forma mais ou menos adequada por cada um de nós. Há sempre um risco de dependência, de viciação.

Qual é a fronteira entre o normal e o patológico? 

É quando deixamos de investir no laço emocional com quem está junto de nós, com a família, com os amigos, com as pessoas com quem trabalhamos diretamente. Diria que quando esse laço se desfaz e passamos só a estar ligados no virtual, aí é um sinal de alarme.

E não conseguir esperar que a refeição acabe para ver uma notificação? 

É problemático, claro. A intrusão deste objeto mágico e o fascínio que ele pode exercer sobre as pessoas – e sobretudo sobre as crianças, e quando as pessoas não têm limites impostos pela relação dos outros – podem ser difíceis de controlar. Agora houve um caso que parece quase caricatural, de o Casillas ter sido excluído de ser titular da baliza do Porto pelo uso indevido do telemóvel. É evidente que um jogador de futebol, quando está a jogar, não pode usar o telemóvel. Mas durante a maior parte da vida, as pessoas ou têm o telemóvel no bolso ou têm-no à mão e podem usá-lo sem que esse limite seja colocado. O limite vem muito dos outros, desta ideia de que, socialmente, não é muito agradável estarmos a falar com alguém a olhar para o telemóvel. Se a pessoa deixa de ver esse limite, é problemático.

Parece que começa a ser o novo normal.

Sim. Vemos pessoas que vão com o telemóvel para a cama em vez de estarem a namorar com o companheiro ou companheira. É uma alienação. E depois há reações disfóricas, bruscas, em que alguém deita o telefone da outra pessoa fora. Parece uma coisa louca, mas há uma lógica. 

Que situações lhe chegam ao consultório? 

Geram discussões, sobretudo entre pais e filhos. Temos os casos das pessoas que, quando estão descompensadas, se refugiam no telemóvel, e casos de pessoas que têm reações agressivas contra o telemóvel dos outros: veem o objeto como algo intrusivo que retira a atenção 
numa relação. 

E sentimentos de culpa, a pessoa querer agarrar o telemóvel mas tentar resistir para estar presente?

Também acontece, naturalmente que emergem uma série de sentimentos.

A maioria das crianças em Portugal tem telemóvel a partir dos dez anos. É cedo?

É muito cedo. Eu, pessoalmente, acho que não se deve dar antes dos 14 anos. Admito que possa ser usado mais cedo, sob controlo parental, quando é preciso, por exemplo se se vai estar fora, aí aos 12 anos. Agora, antes dos 12 anos. penso que não é recomendável que uma criança esteja sempre agarrada ao telemóvel.