Importar bruxas, esquecer bolinhos

Guardo, desta época em particular do ano, memórias irrepetíveis. No dia 1  de novembro, saía de casa em bando com os meus primos mais chegados, e, ainda assim, éramos muitos. Tínhamos uns saquinhos, alguns feitos em patchwork, outras vezes íamos mesmo de saco de plástico em punho. O destino? Todas as portas que nos aparecessem…

Guardo, desta época em particular do ano, memórias irrepetíveis. No dia 1  de novembro, saía de casa em bando com os meus primos mais chegados, e, ainda assim, éramos muitos. Tínhamos uns saquinhos, alguns feitos em patchwork, outras vezes íamos mesmo de saco de plástico em punho. O destino? Todas as portas que nos aparecessem à frente, onde, sem qualquer timidez, repetíamos a lengalenga: «Bolinhos, bolinhos, à porta dos santinhos». Do outro lado, uma comunidade, avisada e acostumada, ia-nos enchendo o saco. De broas, de chupas, algumas moedas, muitos chocolates. No fim do dia – às vezes durava mesmo um dia inteiro! – despejávamos o saco e competíamos entre nós para ver quem tinha o maior pote. E, claro, seguia-se uma degustação coletiva – não poucas vezes acompanhada de uma valente dor de barriga.

Na zona de Abrantes, de onde trago estas memórias, dizia-se  – e diz-se –«pedir os bolinhos», sendo esta apenas uma regionalização do mais nacional «Pão por Deus».

A tradição ainda não desapareceu. Mas quase. Por oposição, nos últimos anos, o Halloween ganhou uma escala nacional.  Nunca vi tanta gente mascarada de bruxa e companhia como este ano.

Celebrar o Halloween é conveniente por vários motivos. Primeiro, dá para todas as idades – as festas nas discotecas multiplicam-se, no dia a seguir o feriado ajuda a ressaca. As crianças adoram mascarar-se e congratulam-se com este Carnaval antecipado. E, claro, para as lojas, o lucro a vender o merchandising é infinitamente maior.

São as engrenagens da aldeia global a funcionar, e nada de mal haveria, não fosse a força e a rapidez com que este hábito escalou e abafou, literalmente, as nossas expressões mais antigas, as que me moldam um sorriso de  memórias.

Esta semana, enviaram-me uma imagem de um aviso deixado numa escola, em que os professores avisavam que ali não se celebraria o Halloween porque não se tratava de uma tradição do país.

Dou-lhes os parabéns. Às vezes, manter a fixação no passado não é ser velho do Restelo. Pode, até, ser visionário. Quem sabe se, daqui a uns anos, os ‘bolinhos’ estarão de novo na moda, qual cena revivalista. Já vi ressurgimentos mais complicados – e menos doces.