No país de todos os santos

Há santos que protegem bêbados; outros protegem jornalistas, cabeleireiras, telefonistas, juízes e o mais que se está para saber. Cada cidade, cada vila, cada aldeia tem o seu santo ou a sua santa padroeira. Nomes extraordinários: São Zaqueu, São Zenóbio, Santa Bebiana, São Ursano, Santa Restituta…

Dia de Todos os Santos: 1 de Novembro. Dia de Todos os Santos no País de Todos os Santos. Dificilmente em outro lugar há assim um relambório de santos, de todas as proveniências e protetores de tudo e do seu contrário.

Por exemplo: é jornalista, como aquele que assina estas páginas? Reze a São Gelásio. Tem dificuldade em conciliar os sonos? Passa noites positivamente em branco? Nada como dirigir uma oração piedosa a São Pedro de Alcântara. Ele só dormia uma hora por noite. E passava a vida a trabalhar, escutando preces de gente insone.

Mas vamos imaginar, caríssimo leitor, e com perdão da chalaça, que é simplesmente um beberrão, daqueles que pelas oito e meia da manhã já está agarrado ao mata-bicho e que não vive nem uma das vinte e quatro horas longe das libações do álcool: recomenda-se-lhe vivamente contacto com São Martinho. Ou então com Santa Bebiana. Eles são os protetores dos bêbados. Sem que isso tire o protagonismo a Deus Todo-Poderoso que, como toda a gente sabe, mete a mão por baixo ao menino e ao borracho.

Isto de santos tem muito que se lhe diga, e aproveito para dizer aqui meia dúzia de coisas.

Até ao século XII, todos os crentes fervorosos falecidos mereciam o reconhecimento da santificação por consenso geral dos outros cidadãos. Uma rebaldaria. Mas a Madre Igreja resolveu, a partir daí, tomar em mãos a mecânica do ato. Daí considerar apenas como santos aqueles que fossem aprovados após um critério cuidado do que foram as suas vidas, as suas obras e os seus milagres. Ou seja, a canonização.

Isso não evita que haja por aí, aos pontapés, santos nomes extraordinários, quase inacreditáveis. São Zaqueu, São Zenóbio, Santa Bebiana, São Ursano, Santa Restituta, Santa Sancha, Santa Felicidade, São Pafúncio, Santo Hermann Joseph, Santo Eusébio, Santa Edeltruda, Santo Escubículo, só por exemplo.

Manda a crença que para cada cidade, cada vila e cada aldeia haja um santo protetor. Neste jardim à beira-mar plantado não faltam padroeiros: Stº António, São Vicente, São Francisco Xavier, Stª Isabel de Portugal, Stª Irene de Santarém, Nª Sª da Imaculada Conceição. Padroeiros nacionais, entenda-se. Dia 10 de Junho, dia de Portugal, é dia do Stº Anjo da Guarda de Portugal. Os outros multiplicam-se até ao infinito. Em Alcobaça é São Bernardo, o renovador da Ordem de Cister; em Aveiro, a Princesa Stª Joana, filha de D. Afonso V, que aí morreu; em Braga, São Frutuoso, que foi arcebispo da cidade; em Coimbra, São Teotónio, que aí estudou e fundou o Mosteiro de Stª Cruz, e Stª Clara, protetora dos cegos; além de Stª Isabel de Portugal que é, igualmente, padroeira de Lisboa, bem como Stº António, claro está! E São Vicente, cujo corpo viajou de Valência até Lisboa num barco acompanhado por dois corvos que formam, ainda hoje, as armas da capital portuguesa.

Padroeiro do Porto é São Pantaleão, decapitado pelo crime de ser um médico que nada cobrava aos seus doentes. O seu corpo foi trazido de Nicomedia para o Porto em 1453, por refugiados arménios, e ficou por muitos anos na igreja de Miragaia antes de ser transferido para a Sé Catedral. Não é portanto por acaso que em Miragaia existe uma… Rua Arménia.
O Porto tem mais dois padroeiros e nenhum deles é São João, apesar da festa da cidade ser no dia 24 de Junho, dia de… São João. São eles São Vicente, o de Lisboa, por ser também padroeiro dos vinhateiros e representado muitas vezes com uma tesoura de poda numa das mãos e a outra pousada sobre um pipo de vinho, e Nª Sª de Vandoma.

Depois há santos que se dedicam a proteger mais do que cidades. São Martinho e Stª Bebiana são protetores dos bêbados, como já vimos. O primeiro porque fez o milagre de transformar água em vinho, a segunda, ao que tudo indica, apenas por causa do seu nome sugestivo. São Teodoro, que era soldado, é protetor dos militares. São Cristóvão, grande caminheiro, é protetor dos automobilistas e dos aviadores: as suas medalhinhas já tiveram dias de muita procura para se pendurarem nos espelhos retrovisores. José de Arimateia, que fez o funeral de Cristo, é o protetor de gatos-pingados e cangalheiros; as prostitutas arrependidas abundam de gente que as proteja: Stª Maria Madalena, à cabeça de todas como está bem de ver, mas também Stª Afra, cujos pais tinham uma estalagem de mau porte, Stª Maria Egipcíaca, Stª Pelágia, Stª Thaís de Alexandria, Stª Verena, Stª Margarida de Cortona e Stª Valéria, todas mulheres de vida fácil que atingiram a bênção da redenção.

São Tomé, por ser incrédulo, protege os juízes; o Arcanjo São Gabriel, portador de notícias, protege as telefonistas; Stº António, que tinha um leitão, protege os fabricantes de enchidos; São Miguel, que tem a balança, é padroeiro dos merceeiros; Stº Bomhomem, que foi alfaiate, é patrono dos seus colegas; São Luís, Rei de França, que gastava horas por dia nos seus penteados, protege os cabeleireiros; São Mateus, que era cambista, protege os banqueiros, se é que eles precisam…; Stº Expedito é o protetor dos estudantes cábulas, ao que se crê por causa do nome. E por aí fora. Daria para um suplemento. Santos para todas as necessidades e todas as ocasiões no País de Todos os Santos…