Rio e Santana

Quando Pedro Santana Lopes anunciou (no programa televisivo em que participa com António Vitorino) que seria candidato à presidência do PSD, ainda não tinha acontecido a tragédia de 15 de outubro.

Escrevi então que essa decisão de se candidatar era do foro emocional, até porque Santana Lopes nunca chegaria àquele que seria o seu objetivo: o lugar de primeiro-ministro.

Mas depois aconteceu a tragédia de 15 de Outubro e tudo mudou.

Mas não nos antecipemos.

Em primeiro lugar importa saber quem poderá ganhar as eleições no PSD.

Rui Rio tem a seu favor o facto de ser uma novidade.

Enquanto Santana Lopes é um remake, um déjà vu, Rui Rio representará para o PSD um passo em frente.

É esta a sua grande vantagem.

Mas tem uma grande desvantagem: não consegue passar de Coimbra para baixo.

É visto como um líder regional e não como um líder nacional.

Dito de uma forma crua, é visto como um provinciano.

Depois, tendo-se apresentado com um discurso mais à esquerda, levou a que se pensasse – justa ou injustamente – que pode reeditar o Bloco Central.

Acontece que os militantes do PSD querem alguém que vença o PS e não alguém talhado para fazer acordos com o PS.

Como já ouvi dizer, Rui Rio deseja um PS+D.

Ora isso não corresponde à natureza do partido.

O PSD é um partido liberal, que começou por se chamar PPD, o sangue que lhe corre nas veias não é vermelho nem cor-de-rosa, é um partido de pessoas com iniciativa, empreendedoras, de gente que não ambiciona viver à sombra do Estado e não quer ser estorvada pelo Estado.

E Rio não representa esse PSD.

Ao contrário de Rui Rio, Santana Lopes é uma figura nacional.

Tem muito mais experiência política, tem mais mundo e mais vantagem nos debates televisivos.

Conhece muito melhor o partido.

E durante o período da troika foi-lhe mais fiel.

Enquanto Rui Rio se alargou em críticas ao Governo de Passos Coelho, e se aproximou de pessoas que semanalmente o desancavam, Santana conseguiu manter uma certa distância em relação ao Executivo mas sem nunca parecer desleal.

E os militantes apreciam isso.

Os militantes não gostam de ver figuras destacadas atacar o partido nos momentos difíceis.

Pelo que fica dito, julgo que Pedro Santana Lopes baterá Rui Rio.

Mas será capaz, depois, de bater António Costa?

Essa é a questão.

Porque, na escolha dos militantes, vai pesar muito o que eles pensem sobre a capacidade de cada um dos candidatos para vencer Costa nas legislativas de 2019.

Antes da tragédia de 15 de outubro, isso não se colocava pois António Costa estava fortíssimo e ninguém duvidava de que ganharia as próximas eleições.

Aí, tanto fazia Rui Rio como Pedro Santana Lopes.

Mas agora não.

Agora, há algumas hipóteses de António Costa ser vencido – pelo que que as coisas já se apresentam de outra maneira.

Os incêndios e as mortes deste Verão fragilizaram muito o primeiro-ministro, e não apenas pelas razões que têm sido apontadas: inércia do Governo após a catástrofe de Pedrógão Grande, teimosia em demitir a ministra da Administração Interna, fracasso da Proteção Civil, etc.

O problema maior para António Costa é que ficou, pela primeira vez, no centro do palco.

Antes, o primeiro-ministro escapava sempre às más notícias, como se não fosse nada com ele.

Passava entre os pingos da chuva.

Mas agora está na linha da frente – e por via disso vai sofrer um desgaste muito maior.

Por outro lado, a saída de cena de Passos Coelho também contribuiu para o expor mais.

Até anunciar o abandono da liderança do PSD, Passos era apontado sempre,  a propósito e a despropósito, como o responsável por tudo o que corria mal.

A esquerda tinha nele um abcesso de fixação: o PCP, o BE e mesmo o PS viravam-se para ele no Parlamento, atiravam-lhe à cara a ‘austeridade’ e faziam dele o bombo da festa.

Apesar de ser Costa o primeiro-ministro, acabava invariavelmente por sair incólume dos debates.

A culpa era sempre… do Passos.

E isso acabou.

 

António Costa está hoje, portanto, mais exposto e mais vulnerável – mas quem estará mais bem colocado para o vencer: Pedro Santana Lopes ou Rui Rio?

Penso que também aqui Santana Lopes leva vantagem.

É mais afetivo, sabe entrar no coração das pessoas, tem charme – e neste aspeto contrasta mais com António Costa.

E tem ainda a vantagem de, politicamente, ser mais alternativa a Costa do que Rio.

Enquanto Rui Rio é uma espécie de António Costa n.º 2, Santana é muito diferente.

Tem o ADN do PSD: a luta pela libertação da sociedade civil das garras do Estado.

Além disso, pode criar uma melhor relação com Marcelo Rebelo de Sousa.

Embora tenham andado durante anos a picar-se um ao outro, ele e Marcelo já conspiraram juntos, tendo fundado a Nova Esperança.

Aliás, foram eles que (com José Miguel Júdice) puseram Cavaco Silva na liderança do PSD.

Mas, tendo quase tudo a seu favor, Pedro Santana Lopes tem um enorme handicap: foi um fiasco como chefe do Governo.

Esta é a questão crucial: como poderá Santana, depois do que fez, apresentar-se como candidato credível a primeiro-ministro?

Julgo que Santana Lopes vai tentar ultrapassar esta questão dramática com uma saída também dramática.

Santana vai apresentar-se não como responsável de um período mau mas como uma vítima de um Presidente hostil.

Santana Lopes vai explicar que foi objeto de um ‘golpe de Estado’ de Jorge Sampaio, que não o deixou completar o mandato.

Vai dizer aos portugueses: cometi erros mas fui injustiçado, impediram-me de exercer o cargo até ao fim; e por isso mereço uma segunda oportunidade.

Esta vai ser a frase-chave: «Mereço uma segunda oportunidade».

Se Pedro Santana Lopes conseguir convencer muitos portugueses de que foi, de facto, uma vítima (e que, se for eleito, não cometerá os mesmos erros do passado), terá hipóteses.

Até porque os portugueses gostam de vítimas, como se viu pelo apoio que Sócrates teve quase até ao fim.

E dentro de dois anos a economia poderá estar pior do que hoje – e as relações no seio da ‘geringonça’ também.

Enquanto Santana irá em crescendo até 2019, o Governo poderá ir em perda.

Assim, aquilo que hoje parece impossível pode vir a acontecer: os portugueses darem uma segunda oportunidade a Pedro Santana Lopes.

Santana é um gato com sete vidas – e ainda só gastou três ou quatro.