Moçambique. Um novo palco para o radicalismo islâmico?

Ataque no norte do país está a ser tratado pelas autoridades como um caso isolado, mas há quem alerte para um aumento dos jovens radicalizados.

Os confrontos verificados no início do mês passado, entre jovens pertencentes a um grupo organizado de inspiração muçulmana e as autoridades policiais da vila moçambicana de Mocímboa da Praia, no norte do país, encheram as páginas dos jornais locais durante semanas e trouxeram para o debate público a reflexão sobre a existência, ou não, de movimentos radicais islâmicos em Moçambique, pela primeira vez na sua história recente.

De acordo com os relatos da polícia e da imprensa moçambicana, várias dezenas de rapazes, na casa dos vinte anos, decidiram atacar diversas esquadras da polícia na madrugada do passado dia 5 de outubro, munidos com armas de fogo e catanas. Dos confrontos resultaram 17 mortos – 14 atacantes, dois polícias e um líder comunitário, segundo as autoridades – e mais de 50 detidos.

Os jovens autointitulam-se de Al-Shabaab e os líderes islâmicos de Mocímboa da Praia alertaram o poder local sobre as suas atividades há cerca de seis meses, mas até ao momento não há quaisquer provas de que tenham ligações ao movimento jihadista com o mesmo nome, que opera na Somália e no norte do Quénia. 

Em declarações ao SOL, Vítor Gonçalves, jornalista do Sol do Índico, diz que as autoridades da província de Cabo Delgado e de Maputo estão a tratar o ataque como um ato de resposta a uma situação de tensão preexistente, cujas motivações não assentam em razões de natureza religiosa. «Estamos a falar de um grupo de jovens – a maioria desempregados – que já tinha protagonizado desacatos com a polícia, numa zona de Moçambique onde o poder do Estado não é exercido tão facilmente. Reclamam ser Al-Shabaab, mas não aparentam ter ligações com grupos terroristas. Até ver, a única coisa que pretendiam com este ataque era libertar um elemento do grupo que tinha sido preso pela polícia», adianta o jornalista. 

A fronteira «porosa» entre Moçambique e Tanzânia e as dificuldades das autoridades em controlarem quem entra e sai do país – quer por terra, quer por mar – facilitam a eventual deslocação de radicais islâmicos para as províncias de Cabo Delgado, Niassa e Nampula. Vítor Gonçalves lembra, no entanto, que naquela região impera uma etnia pouco aberta a poderes forasteiros, que dificilmente aceitaria a presença de jihadistas no norte de Moçambique: «A etnia Maconde é guerreira – tem bastante representação no exército moçambicano – e nunca aceitou muito bem a presença de forças estrangeiras, como aconteceu durante a colonização portuguesa. A própria população reagiria a uma fixação de recrutadores islâmicos estrangeiros».

A existência de uma alargada comunidade muçulmana numa região onde também vivem muitos cristãos também não é razão para justificar o surgimento de uma força islamista, com pretensões opressoras sobre as populações de diferentes credos. «Sempre houve uma convivência sã entre pessoas de diferentes religiões. O norte de Moçambique já vivenciou conflitos políticos, conflitos étnicos, mas não se pode dizer que a região seja palco de violência com base na região», explica o jornalista do Sol do Índico. 

Juma Cadria, representante da delegação de Nampula do Conselho Islâmico de Moçambique, partilha da mesma opinião, no que toca à convivência pacífica entre cristãos e muçulmanos, mas alerta para o aumento da radicalização de jovens sem rumo em diversas mesquitas da região. «A presença de indivíduos com ideologias de tendência radical tem vindo a ser registada nos últimos tempos e já tinha sido reportada ao Governo. As autoridades locais estão a trabalhar no sentido de desmantelar esses locais», revelou à Deutsche Welle, condenando ao mesmo tempo os atos de violência de um «grupo de criminosos que não representa o Islão de forma nenhuma, porque o islão assenta na paz».

Líderes islâmicos de Mocímboa da Praia contactados pela Lusa caracterizam o grupo de atacantes como uma «seita», liderada por pessoas que se estão a aproveitar de «jovens e crianças» que «não estudaram, são pobres e esfomeados». As divergências com a comunidade não são de agora, mas a população não avançou para a expulsão dos jovens porque muitos são «nativos, filhos, irmãos, parentes e vizinhos». 

Até ao momento não foram testemunhados ataques subsequentes ao de 5 de outubro, protagonizados pela autoproclamada Al-Shabaab de Mocímboa. Os relatos de   novos confrontos, que circularam pelas redes sociais nas últimas semanas, estão a ser tratados pela Polícia da República de Moçambique como perseguições das próprias populações aos membros do grupo.