«Manifesto de um amor profundo»

Esta expressão, pintada num tapume de uma obra na baixa lisboeta, entretanto já retirado, chama a atenção pela declaração de amor, adjetivado como profundo. Trata-se, como já referido em textos anteriores, de uma demonstração pública de um amor intenso, que, neste caso, considera a pessoa amada como rei ou rainha, razão por que terá sido…

Esta expressão, pintada num tapume de uma obra na baixa lisboeta, entretanto já retirado, chama a atenção pela declaração de amor, adjetivado como profundo. Trata-se, como já referido em textos anteriores, de uma demonstração pública de um amor intenso, que, neste caso, considera a pessoa amada como rei ou rainha, razão por que terá sido desenhada uma coroa.

É difícil não sentir simpatia por um amor assim, tão intenso, tão gritado ao vento, para ser escutado por todos quantos passem. E, como diz Tolentino Mendonça: «Só aquilo que amamos com o extremo do amor não nos será tirado», nesta vida modelada «por esse oleiro invisível que é o tempo».

E é exatamente o tempo que nos vai dando ou tirando aquilo que acumulamos – saber, experiência, rugas, amigos, momentos. É o tempo que vai marcando o ritmo das nossas vidas, com a sucessão de dias, de meses, de anos. É dentro deste tempo, exterior e simultaneamente interiorizado, que vamos vivendo a vida e encaixando as nossas ações. São estes ciclos que balizam as nossas ações e a forma como nos encaramos e como vemos os outros e as suas ações. São estes ciclos, que se vão fechando e vão abrindo novos ciclos, que dão coerência externa à sucessão de dias que compõem a vida, ao ritmo por vezes alucinado a que corremos pela vida, atrás de nem sequer sabemos bem o quê. E, como diz, de forma inovadora, o poeta brasileiro Affonso Romano de Sant’Anna: «O que não escrevi, calou-me. / O que não fiz, partiu-me. / O que não senti, doeu-se. / O que não vivi, morreu-se. / O que adiei, adeu-se».

Sentimos que temos de correr, que temos de andar apressados, que o stress faz parte da vida, mas, por vezes, perdemos o rumo e já nem nos lembramos por que corremos, nem para onde corremos. E um barco que não sabe para onde navega não sabe como ajustar as velas e perde o rumo. Infelizmente, em muitos momentos da vida encontramo-nos nesta situação e torna-se difícil sabermos para onde devemos ir, o que queremos e por que ponto cardeal nos orientamos. Temos, felizmente, a família e os amigos, que nos ajudam a reencontrar o rumo e nos devolvem uma imagem de nós próprios que, por vezes, já não conseguimos vislumbrar, mas, com a ajuda deles, somos capazes de reconhecer e, assim, voltar a saber porque começámos esta maratona.

É, pois, o amor profundo que sentimos pelos outros e que eles sentem por nós que dá coerência à vida e que garante o sentido que tudo faz, que assegura o fio condutor de tudo o que fazemos – pelos outros e por nós –, que torna mágicos os momentos em que nos juntamos para rir, para chorar, para reviver memórias, para procurar conselho, para sentir um ombro amigo de alguém que nos ama e, como tal, nos aceita incondicionalmente.

Porque só os amigos aceitam tudo aquilo que somos, tudo aquilo que dizemos, mesmo quando não dizemos tudo o que somos…

 

Maria Eugénia Leitão

Escrito em parceria com o blogue da Letrário, Translation Services