Um mundo privado de sentido

Como melhor diria Zaki Laïdi, o mundo parece «privado de sentido». Na sequência da transformação ocorrida e à medida que o prolongar do período pós Guerra Fria demonstra a existência de uma relação difusa e ambígua entre uma pacificação imperfeita e uma segurança inatingível, em consequência da qual a crise existencial do elo que tende…

Como melhor diria Zaki Laïdi, o mundo parece «privado de sentido». Na sequência da transformação ocorrida e à medida que o prolongar do período pós Guerra Fria demonstra a existência de uma relação difusa e ambígua entre uma pacificação imperfeita e uma segurança inatingível, em consequência da qual a crise existencial do elo que tende a unir as nações acaba por refletir afinal a expressão da crise da ligação social e política mundial, parece impossível dissociar os campos estruturais do Estado e viver na ficção de um sistema mundial separado do espaço social o qual, em verdade, não poderá ser isolado  do sistema cultural. Esta analogia não acontece por acaso; antes resulta do surgir de um sistema social mundial assente na interdependência caracterizadora da mundialização em curso e pela primeira vez enunciada por Cícero, cerca de 82 AC.

Quanto à questão entre conflito e identidade de uma Nação, o défice ideológico desempenha um papel fulcral em todo o processo. Isto porque o enfraquecimento das Identidades presentes num conflito afeta em grande parte os sistemas social-democratas baseados no compromisso de livre opção política e ideológica; o que vem confirmar que a perda de sentido dos conflitos sociais é menos um caso de intensidade do que de identidade. Assim, os conflitos continuam bem presentes, mas não é possível lê-los e interpretá-los com nitidez devido à introdução do ideológico e do cultural.

Poderá então afirmar-se que qualquer que seja o domínio ou o campo social considerado, sempre que se tentam recompor conflitos eclodidos ou comportamentos variados em torno de um eixo central e mobilizador que parece suficientemente estável, logo este parece esquivar-se ou entrar em descontrolo desequilibrante da sua posição central. Tudo porque os conflitos não se resumem mais a jogos de atores claramente identificáveis e clássicos, increvendo-se outrossim em intrincados processos de complicados encadeamentos, quase sempre difíceis de descodificar. Daí «um mundo privado de sentido».

A complexidade crescente da problemática atual, de manifestações mais intensas no mundo exterior à Europa mas que neste ‘velho’ continente se repercutem, incide sobre as manifestações desmedidas de aumento de poder pessoal por parte de políticos ambiciosos recém chegados à ribalta, já detentores de suficiente Poder regional mas que anseiam por mais poder ao provocarem oportunisticamente o ressurgir de pontuais ancestralidades históricas de fratura do primordial processo de integração predominante. Visam reverter a História de toda uma ecúmena pátria, de há muito correspondente a uma Nação alicerce de um Estado consolidado há séculos.

Estes políticos, deficitários de uma consciência nacional, tudo têm feito para fazerem desaparecer a obrigação cívica e de cidadania máxima do cumprimento de um serviço militar obrigatório, que a todos cabe por inerência e que a todos nivela; assim se deteriorando a consciência comum de soberania ao serem minimizadas as suas obrigações e responsabilidades para com o coletivo e para com a defesa de toda a comunidade nacional sedimentada pelo sacrifício de todos aqueles que ao longo de gerações deram a vida pela Pátria comum. Tudo conduzindo à perda de referenciais, ao desenraizamento, à noção de pertença e à absorção de perniciosos elementos externos desestruturantes.

A situação algo perigosa que ora se vive na Catalunha reflete as considerações tecidas. A Região sempre foi de matriz monárquica desde o século XI, tendo sido integrada na coroa de Aragão e depois em Castela no séc. XV no tempo dos Reis Católicos. Porém em 1932, sob a interferência da revolucionária União Soviética ao apoiar um governo republicano por si instigado e patrocinado, tudo culminou numa terrível guerra fratricida e na intervenção das forças nacionalistas na defesa do Estado-Nação.

Para se construírem, os sistemas de sentido têm necessidade de se estruturarem numa combinação de atos voluntários e de valores políticos e culturais preexistentes. Não existindo, algo de trágico acontecerá às Unidades Políticas.

 

António Almeida Tomé, Professor Catedrático