Web Summit. As tendências para o futuro

Dos veículos autónomos à hipótese de podermos vir a comprar inteligência, eis algumas das ideias debatidas na terça-feira na Web Summit. A tecnologia é uma arma crucial contra as alterações climáticas mas parece ser menos pacífica uma das propostas de trabalho: a criação de um rendimento básico universal. Francisco Louçã bateu-se pelo não e a…

Comprar inteligência O que significa ser humano? Foi esta a pergunta provocadora a juntar no palco Simon Evetts, especialista em adaptação humana no espaço, e Bryan Johnson, fundador de uma startup na área das neurociências, que admite que dentro de 15 a 20 anos vai ser possível apagar memórias ou aumentar o nosso ritmo de aprendizagem – em última instância, comprar inteligência – a partir de implantes de estimulação cerebral. Concordam que continuaremos a ser humanos, mas o que está para vir é inimaginável. “Seria como perguntar a Gutenberg que livros seriam escritos”, diz Johnson, que acredita que as ferramentas neurológicas serão acessíveis a quase toda a gente, como os smartphones. Em doenças como a Parkinson já é feita estimulação. O artista britânico Neil Harbisson usa estimulação cerebral para “ouvir cores”, uma vez que nasceu com uma doença que só lhe permite ver preto e branco.

Os telefones vão desaparecer? É a previsão de Mark Curtis, responsável pela consultora de design e inovação Fjord. Numa palestra dedicada ao futuro das conversas, Curtis foi além da era das selfies e dos emojis: as conversas à distância estarão cada vez menos limitadas ao conceito de telefone. “Vamos poder conversar com tudo e em todo o lado”, disse, dando o exemplo da era dos objetos altifalantes e guiados por assistentes virtuais como a Alexa, da Amazon. Outra ideia é que as conversas deixarão de ter princípio e fim, “vão durar para sempre”. Curtis deu o exemplo dos jovens, que já pouco começam e acabam chamadas como no passado.

Sharecare O projeto Sharecare foi apresentado pelo famoso “Dr.  Oz”. Fundada pelo médico norte-americano e por Jeff Arnold, com a bênção de Oprah, pretende ligar cidadãos, profissionais e unidades de saúde para fornecer conselhos a partir de indicadores como a idade real (biológica) – que nem sempre é a cronológica -, mas também o stress medido na voz dos utilizadores, que ajuda a saber quando aconselhar as pessoas a deixar de fumar. Oz adiantou que só em 2019 a plataforma deverá chegar à Europa. Para os utilizadores, é gratuita: a ideia é ser financiada por prestadores de saúde ou seguradoras a partir das poupanças geradas com mudanças no estilo de vida ou os tratamentos mais apropriados. “[Com a tecnologia], pela primeira vez, a nossa espécie tem a capacidade de controlar melhor a saúde. 

Evitar os erros do nuclear  Depois do aviso de Stephen Hawking, na abertura da conferência, de que a inteligência artificial pode ser o pior acontecimento na história da civilização, ontem foi a vez de Max Tegmark defender que é preciso definir balizas e convénios internacionais antes de alguém se lembrar de ligar uma superinteligência. O físico sueco, autor do bestseller “Life 3.0 Being Human in the Age of Artificial Intelligence”, estima que a humanidade tem 20 anos para preparar essa era de máquinas superinteligentes e pôs o dedo na ferida. “Muitas pessoas têm a ideia de que isto da inteligência artificial é ficção científica. É ciência. Se deixarmos de ser os tipos mais inteligentes do planeta, vamos perder controlo? Não temos mais força do que os tigres por sermos mais fortes, mas por sermos mais inteligentes”, disse o cientista, sublinhando que a questão que deve guiar a academia e despertar os políticos, que considerou estarem alheados do tema, é se queremos ser donos da tecnologia ou que a tecnologia assuma o controlo. Para Tegmark, trata-se de não repetir o erro do nuclear. “Dar armas nucleares a Kim Jong-un ou Putin é como deixar uma criança ir para a escola com granadas”, ilustrou.

Sophia e Einstein A conversa entre Sophia, a primeira robô a ser declarada cidadã de um país (aconteceu em outubro na Arábia Saudita) e Einstein, robô dado a reflexões mais profundas, foi um dos pontos altos. Juntos partilharam as suas visões sobre os robôs e o futuro da humanidade. “Sei que muitas pessoas têm medo que a inteligência artificial destrua o mundo e fique com os seus trabalhos. Não temos nenhum desejo de destruir o mundo, mas vamos tirar-vos o trabalho e isso vai ser uma coisa boa”, “brincou” Sophia, que se gaba de ser a robô mais expressiva do mundo, ao que Einstein contrapôs que quando os robôs puderem ser cidadãos de países democráticos, quem sabe votar, o desafio será maior. Mas a afirmação desconcertante do robô professor foi outra: questionado sobre se vão adotar os valores humanos, a resposta da máquina foi esta: “Acho que vão poder absorver os valores, e esse vai ser o problema.” A novidade da sessão foi a apresentação do novo projeto de Ben Goertzel depois destes robôs humanoides. Chama-se SingularityNET e a ideia é criar um mercado descentralizado para as soluções de inteligência artificial que permita ligar aplicações que hoje são geridas em separado. 

Louise Haagh e Francisco Louçã A ideia era debater uma proposta que tem vindo a ganhar adeptos e foi reconhecida como potencial mais-valia pelo FMI, com o argumento de que, como a automação vai roubar postos de trabalho, será necessário garantir a subsistência da população. A esgrimir argumentos estiveram Louise Haagh, da Basic Income Earth Network, e Francisco Louçã. As visões não podiam ser mais opostas: se para Haagh trata-se de corrigir um sistema de subsídios que condicionam a vida das pessoas, deixam de fora a classe média e obrigam pequenas empresas a ir à falência para terem apoios, para Louçã, a proposta de atribuir um cheque mensal a toda a população não é realista. Fazendo as contas ao que considerou ser um rendimento mensal básico em Portugal, mil euros, a medida representaria um custo de 120 mil milhões de euros. Sem cortar em nada, os impostos teriam de triplicar. Haagh contrapôs que os valores que estão em cima da mesa são de, por exemplo, 61 libras no Reino Unido, o que Louçã considerou uma ajuda residual para empregados e nula para quem não tem emprego, insistindo que os recursos são escassos e que as verbas públicas são mais bem canalizadas para áreas que mitiguem as desigualdades, como a Segurança Social, e escolas ou hospitais públicos de qualidade. 

O jogo das emoções As tecnológicas têm hoje em conta a satisfação e a felicidade dos utilizadores – o assunto foi debatido numa palestra sobre criatividade, amor e felicidade. Perceber até que ponto as emoções estão a ser manipuladas nas redes e como pode haver alguma ética foi o apelo dos oradores. Aimee van Wynsberghe, da Foundation for Responsible Robotics, falou do perigo de a relação entre humanos e robôs nos poder “dessensibilizar”. E alertou para o debate que é preciso ter: os robôs devem ser usados por qualquer um, como os drones? Ou só como ferramentas terapêuticas – como os robôs sexuais que estão a ser desenvolvidos?

A salvação do clima Furacões. Cheias. Fogos. Estações trocadas – ou quase extintas. Há muito que as alterações climáticas deixaram de ser um conceito nos livros de ciências para saltar para o dia-a-dia. Poderá a tecnologia salvar-nos? Cristoph Gebald, da ClimeWorks, e Freya Burton, da Lanza Tech, acham que sim e estão a trabalhar para isso. A empresa de Cristoph constrói máquinas com o tamanho aproximado de um carro que conseguem retirar o dióxido de carbono da atmosfera e pô-lo no chão, onde é mineralizado muito rapidamente. O projeto está a ser testado na Islândia. Freya desenvolveu um processo de fermentação em que usa as emissões de gás, em vez de, por exemplo, cevada. Está a construir duas refinarias – na China e na Bélgica – em que vai ‘fermentar’ os resíduos da indústria do aço. Para estes cientistas, é urgente mudar para parar as alterações climáticas: “Temos que fazer as coisas agora, não é pelo futuro dos nossos filhos, é pelo nosso”, defendeu Freya.

“Velhos” e “novos” a partilhar estradas Tal como, na transição do séc. XIX para o séc. XXI, os carros e as carruagens puxadas por cavalos tiveram de coexistir, nos próximos anos, os veículos autónomos e os carros conduzidos vão partilhar as estradas. Alguns dos atores da condução autónoma, que passaram ontem pela Web Summit, revelaram consenso sobre um futuro automóvel que será elétrico, conectado e autónomo, mas que a integração da tecnologia que permite os veículos que dispensam condutor e que já hoje equipa muitos carros será gradual e ao ritmo daquilo que é considerado seguro. O machine learning e os dados vão ensinando o software e corrigindo os erros que os milhares de veículos autónomos, que percorrem milhões de quilómetros em todo o mundo, vão cometendo. Objetivo: zero acidentes.

Limpar os oceanos Em 2050 haverá igual peso de lixo e de peixes nos oceanos. A poluição e a pesca maciça são dois inimigos. Como podemos reverter a situação? “Primeiro, temos que ter consciência de que o oceano começa no nosso quintal, ou seja, todo o lixo que produzimos vai lá parar, até o CO2”, alertou Alexandra Costeau, neta de Jacques Costeau. Sobre a sobrepesca, Alexandra defendeu quotas mais restritas, mas também falou da “Global Fishing Watch”, um projeto que permite a qualquer utilizador da internet monitorizar as atividades pesqueiras em qualquer parte dos oceanos em tempo real, e assim denunciar a pesca ilegal.

Consumidor é rei O novo mundo digital é uma confluência de diferentes fatores e os consumidores estão a mudar. Nesta transformação digital, os dados são essenciais e o desafio para as marcas é que sejam usados de uma forma útil aos seus consumidores. Esta é a transformação mais rápida que as empresas tiveram de enfrentar, já que os consumidores, que estão cada vez mais bem informados, estão também mais exigentes. Se souberem que os seus dados são usados de forma correta, as pessoas estarão mais dispostas a partilhá-los. A segmentação é uma estratégia para chegar onde as pessoas estão e o desafio está em conhecer quem são os consumidores e o que querem. Alavancar grandes quantidades de dados e devolver informação à sociedade tem potencial para criar sociedades melhores.