Proprietários acusam governo de ser responsável pela crise na habitação

Isenção de IRS e menos IMI para quem colocar casas 20% abaixo do valor do mercado são medidas que não convencem os senhorios 

“Seduzir os senhorios.” É desta forma que o ministro do Ambiente pretende conquistar os proprietários para colocarem os seus imóveis a valores mais baixos no mercado de arrendamento – menos 20% em relação ao valor de referência de mercado. Mas as associações de senhorios ouvidas pelo i garantem que não só “não vão ser seduzidos” como também culpam o governo pela crise que se vive na habitação.

Em cima da mesa para quem praticar as rendas acessíveis está a isenção de IRS (atualmente, a taxa está fixada nos 28%) e o pagamento de menos IMI, uma redução que poderá ir dos 50 aos 100% se as assembleias municipais assim o entenderem – ou seja, um duplo benefício fiscal. Para isso, o governo pediu uma autorização legislativa na proposta de Orçamento do Estado (OE) para 2018.

“Será um exercício voluntário. Mas acreditamos que temos uma proposta capaz de seduzir os senhorios que permitirá rendas mais baratas e contratos de arrendamento por um período mínimo”, afirmou ontem João Matos Fernandes no parlamento. 

Para já, o governante não se quis comprometer sobre qual será a duração mínima dos contratos para poderem beneficiar destas rendas acessíveis, mas vários responsáveis do setor ouvidos pelo i apontam para um mínimo de cinco anos.

O ministro recusou as acusações de que o governo estaria a transferir essa responsabilidade para os proprietários. “Não há em situação alguma qualquer ónus ou responsabilidade a ser transferida para os senhorios. Trata-se de um projeto destinado a todos os senhorios que queiram participar e assim poderem beneficiar de uma isenção de IRS, poderem ter seguros de renda para os quais o Estado vai contribuir e poderem ter uma redução do IMI preferencialmente a zero”, esclareceu aos deputados.

Medida não convence “É uma mão cheia de nada e acredito que muito poucos proprietários vão aderir ao novo programa habitacional”, diz ao i Menezes Leitão, presidente da Associação Lisbonense de Proprietários (ALP). O dirigente garante que o “governo, além de mostrar pouca abertura para discutir este tema com as associações do setor, foi o principal responsável pela crise da habitação”, dando como exemplo a criação do adicional ao imposto municipal sobre imóveis (AIMI) e a manutenção do congelamento de rendas antigas.

A opinião é partilhada pelo presidente da Associação Nacional de Proprietários (ANP), António Frias Marques, que lembra ainda que a crise na habitação tem sido agravada com a explosão do alojamento local, “que é aprovado pelas autarquias e pelo governo central”, diz ao i.

 Menezes Leitão acredita também que estas alterações “vão ter um impacto praticamente nulo porque não preveem, paralelamente, a imediata abolição do AIMI, que continuará a pagamento anualmente para todos os senhorios com património superior a 600 mil euros”. E lembra que uma vez que o AIMI é dedutível à coleta dos rendimentos prediais, a anunciada isenção do IRS para senhorios que pratiquem rendas acessíveis implica que estes tenham de suportar na mesma a fatura do novo imposto. 

O presidente da ALP fala ainda em “flagrante injustiça” por este pacote de incentivos fiscais deixar de fora os proprietários que permanecem com rendas congeladas devido às alterações legislativas introduzidas em junho pelo governo. E mostra alguma apreensão em relação à forma como vão ser definidos os critérios de valor inferior ao mercado, “tendo em conta a imensa variação de zona para zona dentro de cada município, ou as áreas e características de cada imóvel”. 

Também para António Frias Marques não faz sentido o governo estar a falar em isenções fiscais quando o mercado de arrendamento não existe nos grandes centros urbanos, como Lisboa e Porto. E lembra que, a par das rendas altas que são praticadas porque respondem à lei da oferta e da procura, há dezenas de casas no centro da capital que estão fechadas por os senhorios não terem dinheiro para reabilitar esses imóveis.

 “São casas que estiveram anos a fio arrendadas por valores muito baixos e que, após a saída dos inquilinos, os proprietários foram encontrar destruídas, e eles sem dinheiro para reabilitar”, refere o responsável. 

Inquilinos reticentes Também dos lado dos inquilinos existem algumas reservas em relação a este programa. Chamam a atenção para o facto de as rendas que estão atualmente a ser praticadas estarem muito especulativas e de também essas poderem vir a ser favorecidas com os benefícios fiscais que o governo quer criar. De acordo com a Associação de Inquilinos Lisbonenses (AIL), “a solução apresentada pelo governo, conforme foi divulgada, não impede que uma renda elevada e especulativa possa ter benefícios fiscais”, o que a associação “considera despropositado”. 

Mais satisfeita com estas alterações está a Comissão de Acompanhamento do Mercado de Arrendamento Urbano (CAMAU), ao defender que o governo está, “finalmente, a considerar medidas fiscais de incentivo ao arrendamento habitacional, medidas estas que são há muito propostas pela CAMAU como condições imprescindíveis para que exista uma efetiva dinamização do mercado de arrendamento urbano”.