Os emplastros da Web Summit

Apesar de todos os esforços da esquerda, a Web Summit foi um grande sucesso

A Web Summit entra pela esquerda adentro como faca em manteiga quente. 

Percebe-se porquê: é um hino ao capitalismo, ao sucesso, aos lucros, às empresas. É um evento global quase exclusivamente falado em inglês. É a glorificação do mundo digital, bem longe do mundo industrial que esteve na base das relações de trabalho sobre as quais Marx construiu as suas teorias. 

Tudo isto, que já passa sem comoção no mundo ocidental, provoca o maior embaraço nos partidos de esquerda em Portugal, onde ainda esta semana Jerónimo de Sousa, a propósito do centenário da revolução russa, se lamentava justamente pela falta que a URSS faz ao mundo. 

Catarina Martins, agora duplamente ‘geringonçada’ com António Costa (no Governo e na capital), tem um entendimento semelhante mas remete-se ao silêncio interesseiro. 

Basta ver que, embora o evento seja organizado também pela CML, o vereador Ricardo Robles, agora no executivo camarário, não apareceu no mega evento tecnológico da cidade que agora governa.

Mesmo dentro do PS, o assunto divide os camaradas. Muitos há que têm vergonha de celebrar em público a admiração pelo capitalismo, e há camaradas socialistas (alguns deputados até) que alinham no lamento comunista pelo fim da URSS.

A esquerda parlamentar, no seu ódio ao capital, odiando a Web Summit, só não atacou os pavilhões do Parque das Nações – na versão primária, com paus e pedras, e na versão mais articulada, com manifestações – porque está amarrada à governação.

Estando porém muitíssimo bem representada nos nossos media, procurou desacreditar a cimeira o mais que pôde. 

Apesar de todos os esforços da esquerda parlamentar e mediática, mau grado todas as críticas, todas as caricaturas, é um sucesso de organização, é um sucesso para o comércio e turismo e para a projeção internacional do país. 

Mas acima de tudo é um sucesso tremendo numa das suas duas vertentes: a vertente das conferências. Para além da feira propriamente dita, onde a procura e a oferta se encontram, são três dias de centenas de conferências nos vários palcos. Cada palco temático apresenta mais de 10 conferências (talks) de altíssimo nível, sempre seguidas, sem paragens. Temas bem escolhidos, palestrantes de alto nível, rigoroso cumprimento de horários. 

O destaque vai para Al Gore, por dois motivos: porque deu uma palestra de 30 minutos sobre ecologia e desenvolvimento – e nós não temos cá ninguém, nem no Governo nem na oposição, que faça um discurso de sustentabilidade de dois minutos, quanto mais de trinta. 

Em segundo lugar, porque mostrou a diferença entre o socialismo na América e em Portugal. Um socialista americano não odeia as empresas, o capital ou o lucro, apenas se preocupa em distribuí-lo o melhor possível.

Se Paris vale uma missa, Lisboa merece bem uma Web Summit.  

sofiarocha@sol.pt