A (in)segurança na diversão noturna em Portugal

A insegurança na vida e diversão noturna não podem continuar a ser um problema grave, turisticamente, para Portugal e para os portugueses. À economia da noite têm de ser impostas regras

«As autarquias não têm 500 euros para pagar a um pianista e pagam 30 mil ou 40 mil euros a um músico pimba».

António Vitorino de Almeida

 

A (in)segurança na diversão noturna em Portugal entrou com estrondo e indignação na discussão pública, nos últimos dias. 

Intermediada por filmagens de telemóveis – que captaram factos ocorridos em espaços públicos em Coimbra e Lisboa – a (in)segurança na diversão noturna (e na noite em geral) colocou em destaque situações que as autoridades públicas, famílias, pais, filhos, netos e até responsáveis de áreas de negócio em Portugal conhecem há muito tempo. 

À boa maneira portuguesa, o lado negro da vida noturna tem vindo a ser ignorado por demasiada gente. Desde logo, por poderes públicos diversos, sobretudo municípios, onde a vida noturna tem uma importância considerável. Não só económica como até eleitoralmente. 

Muitos são os políticos que, mesmo não sendo praticantes da vida e diversão noturnas, fecham os olhos à prática de crimes como o consumo e o tráfico de droga e de outras substâncias psicotrópicas, manifestamente fora da lei. 

Para uma boa parte, a vida e a diversão noturnas são apenas, e só, mais um instrumento de potencial apoio eleitoral, sobretudo das camadas mais jovens. Para além disso, o peso da chamada ‘economia da noite’ é já muito grande. Movimenta milhões e milhões e mexe com muitos interesses. E dá receitas também milionárias a alguns municípios onde existem muitos espaços de animação noturna.

Para essa economia da noite, quanto mais atratividade, horários longos e fiscalização irregular (sobretudo das autoridades públicas) existir, melhor. Soma-se a tudo isto uma grande indiferença por parte de demasiadas famílias. Indiferença essa que cauciona, e até alimenta, muito do que de mau existe na vida noturna.

São infelizmente muitos os familiares, sobretudo pais, que ‘enviam’ os seus jovens, os seus filhos, para a noite, sem saberem com quem vão, onde vão, o que fazem e a que horas chegam. Simplesmente ignoram isso. Conheço até casos (e não poucos) de pais que incentivam os filhos a ir regularmente para a noite, que lhes enchem os bolsos de dinheiro, lhes compram tabaco e que acham normal jovens com 15, 16 ou 17 anos chegarem a casa às seis, às sete ou mais horas da manhã. 

Acham que andar na noite não é nada de diferente do que andar de dia.

Fui durante anos frequentador assíduo de espaços de animação e vida noturna. No território das minhas origens, frequentei quase tudo o que existia para frequentar. Na Foz do Arelho (Green Hill, Sitio da Várzea, etc). Em Caldas da Rainha, Torres Vedras. Em Lisboa (Bananas, Alcântara Mar, Plateau). No Algarve (Trigonometria, Clube T, Kadoc, Casa do Castelo, Locomia). E em outros locais em Portugal e no estrangeiro onde existia muita ‘movida’ e coisas de que gostava muito e de outras nem tanto. 

Mas nunca vi coisas que se veem hoje. Como o exagero dos horários de funcionamento de muitos estabelecimentos, que fazem com que miúdas e miúdos de 15, 16, 17 anos andem na rua até altíssimas horas da noite. 

Quem licencia e autoriza isto tudo? Sabemos bem, nos termos da lei, quem é, não sabemos? 

O mesmo acontece com o que se passa portas adentro de muitos desses espaços: insegurança física, consumo de drogas, excesso de álcool. Nestes domínios tem-se facilitado em excesso. A economia da noite vive hoje com regras desconformes com aquilo que deverá ser o bom senso e a defesa da segurança e da integridade física dos seus utilizadores.

O que vivemos nos últimos dias no espaço audiovisual não é nada que não tenha vindo a acontecer nos últimos anos. Infelizmente, aconteceu com regularidade. 

Mas, como diz e bem o nosso povo, ‘há males que vêm por bem’. Que se pare pensar, e que haja coragem para alterar o quadro legislativo atinente à prevenção, fiscalização e atividade regular da vida e diversão noturnas no nosso país. Que se discipline mais e melhor, sobretudo os horários de funcionamento, a segurança dos utilizadores, etc.

Sou dos que entendem a diversão noturna como algo de positivo. Mas com regras claras, transparentes, em nome de princípios de vida, conformadas com uma sociedade que preserva a defesa de valores, bem como a vida saudável e a integridade física. 

A economia da noite tem de ter regras. Até para a sua própria defesa. Como pai de três filhos – um deles adolescente e já frequentador de espaços de diversão noturna – entendo que as famílias têm aqui também um papel importante a desempenhar. Fazendo pedagogia e definindo regras claras. Se estas e outras coisas não acontecerem, qualquer dia seremos forçados a olhar para a vida noturna como uma potencial zona de guerra, onde muitas coisas más poderão acontecer. E Portugal precisa de tudo menos disso.

Porque turisticamente, para regiões como o Algarve, Lisboa e Porto, a vida noturna devidamente regulada e fiscalizada será (deverá) um fator distintivo.

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