Operação Marquês. Com que dinheiro vive Sócrates?

Na última entrevista que Sócrates deu a uma televisão, o jornalista Vítor Gonçalves perguntou-lhe: ‘Como é que o senhor hoje vive e como paga as suas despesas?’. O SOL desvenda esse mistério e revela um financiador improvável: Francisco Pinto Balsemão.

Operação Marquês. Com que dinheiro vive Sócrates?

Com José Sócrates envolvido em problemas judiciais, Francisco Pinto Balsemão suportou algumas das suas despesas, em particular as prestações do Monte das Margaridas – a propriedade alentejana que estava entregue à sua ex-mulher, Sofia Fava, e que o Ministério Público suspeita pertencer ao ex-primeiro-ministro. O dinheiro de Balsemão chegou às mãos de Sofia através de Manuel Costa Reis, seu atual companheiro.

Sócrates deixou de poder assumir todos os compromissos financeiros a partir da sua prisão, em novembro de 2014, e do posterior congelamento das contas bancárias do amigo Carlos Santos Silva, das quais se servia. 

Para continuar a assegurar o pagamento da propriedade, onde vive com Sofia Fava, Costa Reis terá recorrido a Balsemão, dada a longa relação de amizade que este manteve com o seu pai, o advogado Francisco da Costa Reis, que participou na fundação do Expresso e foi administrador do jornal até falecer. Balsemão é, aliás, padrinho de batizado de Manuel Costa Reis.

Já após a libertação de Sócrates, Balsemão fez chegar às contas de Manuel Costa Reis pelo menos 30 mil euros – segundo soube o SOL de fonte conhecedora das investigações. Ouvido para os autos da Operação Marquês, o companheiro de Sofia Fava classificou estas verbas como «empréstimos». E pelo menos 15 mil já terão sido devolvidos.

Através de um seu assessor, Balsemão também confirmou ao SOL ter-se tratado de um empréstimo, «por razões de afetividade e laços com a família Costa Reis, ignorando que se destinasse a pagar fosse o que fosse de José Sócrates». A mesma fonte garante que Manuel Costa Reis já reembolsou a totalidade dos 30 mil euros.

Sócrates entrega elevadas quantias à ex-mulher e companheiro

Antes de ser detido, Sócrates foi observado pelos investigadores da Operação Marquês a doar verbas substanciais a Sofia Fava e a Manuel Costa Reis, assegurando ainda, através de Carlos Santos Silva, o pagamento das prestações do Monte das Margaridas, apesar de este estar em nome da ex-mulher.

Ao MP, Costa Reis também reconheceu a entrega regular por Sócrates, a ele ou a Sofia Fava, antes da prisão, de quantias de vários milhares de euros de cada vez. 

Numa ocasião, terá ido buscar a casa do ex-primeiro-ministro um montante entre 3 e 4 mil euros, por haver «despesas urgentes» a pagar. Questionado acerca de um outro depósito de 4 mil euros em numerário efetuado na sua conta, reconheceu tratar-se de dinheiro que fora buscar na véspera a casa de Sócrates. Recebeu também na mesma conta um cheque de 15 mil euros emitido por uma empresa de Santos Silva, não sabendo explicar a razão, já que o vencimento que a mulher então recebia de uma sociedade também do mesmo empresário – a XLM – era substancialmente inferior.

Perante as dificuldades em obter dinheiro após a detenção de Sócrates e o congelamento das contas, Sofia Fava e o companheiro chegaram mesmo a falhar as datas de pagamento das prestações da propriedade alentejana e a contrair empréstimos junto de familiares e amigos. No final de 2014, um mês depois da detenção de Sócrates, o casal ainda terá conseguido dar a volta à situação, recorrendo a uma conta de Manuel Costa Reis para onde a sua mãe efetuara uma confortável transferência.

Mas no início de 2015 Sofia Fava chegou a ter pouco mais de 90 cêntimos na conta. O pagamento da prestação mensal só foi retomado depois de José Sócrates ter obtido um novo empréstimo na CGD. Com este dinheiro, foram ainda pagos honorários de Pedro Delille e devolvidos a Costa Reis os valores que adiantara a Sofia Fava para suprir as dificuldades anteriores.

CGD emprestou dinheiro a Sócrates quando estava preso

O congelamento das contas de Santos Silva também obrigou José Sócrates a obter fontes alternativas de financiamento, por forma a assegurar os vários compromissos regulares que tinha – entre eles, o pagamento do ensino dos dois filhos, as despesas da mãe, Maria Adelaide, os honorários do seu advogado, João Araújo (recebidos em novembro de 2014, na altura da detenção, pela mulher deste, Maria Guerreiro de Araújo, e a que depois se juntaria um segundo causídico, Pedro Delille), as prestações de um empréstimo contraído na Caixa Geral de Depósitos, e ainda as referidas prestações do Monte das Margaridas.

O primeiro passo que deu, enquanto ainda estava detido, a 15 de janeiro de 2015, foi a concretização de um segundo empréstimo junto da CGD, no valor de 248.500 euros, o que lhe permitiu liquidar o empréstimo anterior, pagar despesas acumuladas com dois cartões de crédito e passar 100 mil euros a Sofia Fava, seis dias depois, para fazer face a compromissos imediatos (como as rendas do monte e as propinas dos filhos, além de abonar a mãe com outros 5.000 euros).

Em fevereiro de 2015, preso na cadeia de Évora já havia quase três meses, ainda receberia uma última prestação da avença que tinha com a firma Dynamicspharma, do empresário Paula Lalanda e Castro, e que, segundo o MP, era uma forma oculta de Santos Silva passar a Sócrates dinheiro que guardava em seu nome (dinheiro que, para a acusação, eram ‘luvas’ recebidas enquanto governante).

Sócrates não gostava de Balsemão

Com o ex-primeiro-ministro já sem recursos financeiros, Pinto Balsemão emprestou a Manuel Costa Reis os 30 mil euros a 4 de maio de 2015, dos quais uma parte foi utilizada para pagar rendas do Monte das Margaridas, no valor de 7.422,15 euros. 

Curiosamente, apesar desta ajuda de Balsemão – possivelmente ‘involuntária’ -, José Sócrates não tinha boa impressão do patrão da Impresa e não o poupava a críticas. Numa conversa com o seu advogado e amigo Daniel Proença de Carvalho, ocorrida a 7 de julho de 2014, na sequência da resolução do Banco Espírito Santo, o antigo governante, depois de se dizer «chocado com isto em vários planos», comentara que «a campanha no Expresso [contra o BES] foi brutal», e depois derivou para as suas relações com Balsemão, queixando-se de não ser considerado da melhor maneira por ele, que achava não o suportar: «Nunca lhe liguei nada e sempre o tratei como achava que deveria ser tratado. Balsemão é o verdadeiro padrinho. Eu nunca fui de obediência cega, sempre puxei para o rebelde». (Na mesma ocasião, Sócrates chamou «safado» a Marcelo Rebelo de Sousa pelos comentários televisivos que então fazia). 

Mercedes vendido a empresa de Pedro Delille

Em 2015, a 6 de agosto, Sócrates venderia o apartamento de luxo que tinha no edifício Heron Castilho, na Rua Braamcamp, em Lisboa, ao cidadão paquistanês Muhammad Makhdoom Ali Khan (para este se candidatar a um visto gold, ainda pendente), o que lhe proporcionou a entrada em conta de 675 mil euros, permitindo-lhe fazer a liquidação total do último empréstimo contraído na CGD. 

Dessa verba, depois de ter saído da cadeia de Évora a 4 de setembro – e ficado por pouco mais de um mês em prisão domiciliária em Lisboa, numa casa de Sofia Fava -, Sócrates entregou também a Santos Silva a quantia de 250 mil euros. Quantia esta destinada supostamente a pagar o que lhe deveria dos ‘empréstimos’ nos anos anteriores à detenção (e que o MP calcula terem ultrapassado 1,1 milhões de euros, fora as despesas que o amigo pagava do seu bolso).

Sócrates acabou ainda de pagar o Mercedes topo de gama que antes adquirira em leasing com dinheiro emprestado pela CGD, e adiantou 12.600 euros para pagar os primeiros sete meses de renda do apartamento que alugou (por 1.800 euros mensais) ao cidadão chinês Chan Zhang, no Parque das Nações, onde ainda reside.

Entretanto, a 26 de novembro de 2015, o ex-primeiro-ministro vendeu o Mercedes por 30 mil euros a uma empresa de aluguer de automóveis sediada na Figueira da Foz: a Marino Prestige, Rent-a-Car, de que Pedro Delille é um dos sócios. 

Foi o próprio advogado a colocar na conta da empresa o dinheiro necessário para pagar a viatura a Sócrates, emitindo três letras de 10 mil euros cada para a Marino descontar no banco, o que levantou junto dos investigadores a suspeita de que se poderia tratar de mais uma forma oculta de financiar o ex-líder socialista, já que, ao fim desse ano, a sociedade ainda era devedora dessa verba ao sócio. 

Ouvido pelo SOL, Delille não explicou a razão do movimento, mas considerou que as buscas efetuadas pelo MP à sede da empresa por esse motivo, a 28 de junho de 2016, se tratavam de «uma intimidação do DCIAP [Direção Central de Investigação e Ação Penal] aos advogados» de Sócrates.

Ex-secretária de Guterres também ajuda

A 10 de fevereiro de 2016 chegou à conta de Sócrates mais um balão de oxigénio: um cheque de 15 mil euros passado por um familiar de Maria Lígia Correia, antiga secretária do socialista António Guterres como primeiro-ministro e colaboradora dos ministros das Obras Públicas de Sócrates – com a qual este mantém uma estreita relação há vários anos e que, segundo notícias recentes, viveria com ele no apartamento do Parque das Nações. Com essa verba, Sócrates (já outra vez descapitalizado) pagou mais cinco rendas do apartamento.

A 31 de maio do ano passado entraram na conta de Sócrates mais 5.000 euros de proveniência desconhecida, permitindo-lhe, entre outras despesas, pagar uma renda e as contas dos cartões de crédito. 

Em meados de julho seguinte, mais uma renda daquele apartamento foi paga por Manuel Costa Reis, que recebeu 40 mil euros de sinal pela venda de prédios da herança paterna. Também terá sido com esse dinheiro que o companheiro de Sofia Fava reembolsou Balsemão, sendo a primeira tranche, no valor de 15 mil euros, entregue ao fundador do Expresso a 29 de agosto desse ano.

E ainda em agosto Sócrates recebeu com retroativos a pensão vitalícia de ex-deputado (que até então recusara), no valor de 72 mil euros, dando-lhe cobertura para mais algumas despesas. O valor dessa pensão será de 3.800 euros mensais, que não lhe assegura a satisfação de todos os seus compromissos financeiros.

O ex-primeiro-ministro é acusado de corrupção no exercício do cargo, de evasão fiscal e branqueamento de capitais, e Carlos Santos Silva, empresário, também arguido na Operação Marquês, é suspeito de conservar em contas bancárias por si tituladas as comissões ilícitas que Sócrates terá recebido, num valor superior a 30 milhões de euros.