Cientistas fazem um segundo aviso à humanidade. “A Terra é a nossa única casa”

Quatro portugueses explicam ao i por que razão assinaram o manifesto conhecido ontem, com 15 mil signatários de 184 países

Em 1992, 1700 investigadores uniram-se para um aviso à humanidade, alertando que a pegada humana no planeta iria levar à miséria das gerações futuras. Passados 25 anos, o alerta foi atualizado ontem numa espécie de segunda notificação, com os cientistas a traçarem um cenário pessimista: “Tirando a estabilização da camada de ozono, a humanidade falhou na necessidade de fazer progressos suficientes para resolver a generalidade dos desafios ambientais”, diz a carta aberta publicada na revista “BioScience”, que desta vez é assinada por 15 384 investigadores de 184 países. 

“Estamos a hipotecar o nosso futuro ao não conseguir controlar o nosso intenso, ainda que geográfica e demograficamente desigual, consumo material”, argumentam os autores, que alertam também para a necessidade de controlar o aumento da população, promovendo o acesso a planeamento familiar. No campo ambiental, defendem medidas concretas como travar a desflorestação, reduzir o desperdício alimentar e promover dietas sobretudo à base de plantas, mas também acelerar a transição para as renováveis. “Em breve será tarde demais para alterar o curso da nossa trajetória de fracasso e o tempo está a esgotar-se”, concluem, apresentando gráficos que mostram como a população ou as emissões de CO2 têm estado a subir, enquanto a água potável disponível per capita ou a biodiversidade seguem o caminho inverso. “Temos de reconhecer que a Terra é a nossa única casa”, pedem.

Entre os signatários deste texto contam-se mais de 200 portugueses. É o caso de Paulo Fernandes, um dos peritos que estudaram os incêndios de Pedrógão Grande, João Araújo Gomes, do Instituto de Geografia e Ordenamento do Território da Universidade de Lisboa, Célia Antunes, bioquímica da Universidade de Évora, ou o paleontólogo Octávio Mateus.

O que os fez juntarem-se a este movimento e quais as maiores preocupações? Paulo Fernandes, investigador da UTAD, teme que grandes fogos como os que o país viveu este ano, associados já às mudanças do clima, vão aumentar ainda mais a homogeneidade das florestas no país, o que agrava o risco. “Fizeram um reset à vegetação, que vai agora recuperar e crescer simultaneamente numa área enorme”, explica. Por sua vez, o seu impacto socioeconómico, porque está tudo ligado, vai acentuar o abandono rural. “A conjugação destes dois efeitos cria condições para termos, daqui a uma ou duas décadas, incêndios ainda maiores e mais devastadores no centro do país”, acrescenta Fernandes, que conta ter recebido o convite para assinar o texto por email e que se sentiu motivado pelos gráficos dos investigadores. 

Célia Antunes estuda o impacto da poluição na saúde humana e tem outros argumentos para se juntar à defesa do planeta. “Num mundo uno e único, a poluição não conhece fronteiras e as suas consequências no clima e no nosso meio ambiente são globais”, diz a investigadora, sublinhando a necessidade de aumentar a consciência pública de que é preciso todos contribuirmos para a “sustentabilidade global”. João Araújo Gomes, perito em geociências, partilha que, neste momento, a maior preocupação é atingir-se um patamar de irreversibilidade climática, a tónica do texto conhecido ontem. “Embora esteja em crer que o planeta se regulará naturalmente quando nós, seres humanos, já cá não estivermos – daqui a muitos milhares de anos, espero -, parece claro que os dados climáticos mais recentes e maioritariamente aceites entre a comunidade científica indicam que estamos muito perto de chegar a um estado de alterações climáticas irreversíveis.” 

Da paleontologia, Octávio Mateus traz algumas certezas. “Reconheço que o mundo e o clima estão em constante mudança, mas também é conhecido que mais de 99% das espécies já se extinguiram devido a essas mudanças. A nossa sobrevivência pessoal e como espécie não é um dado adquirido”, avisa o investigador, que está preocupado como o bem-estar no planeta mas também com uma sociedade que continua a ignorar a ciência, às vezes por questões políticas ou por “ganância empresarial”.