Dirk Arnold. “Se não mudarmos os nossos hábitos de vida, vamos ter mais cancro no futuro”

As Conferências CUF – International Meeting on Cancer Innovation, realizadas este fim de semana em Lisboa e no Porto, foram pretexto para uma entrevista a Dirk Arnold, médico alemão à frente do Instituto CUF de Oncologia

Dirk Arnold é um dos mais conceituados especialistas em cancro. É por isso que lidera o Instituto CUF de Oncologia desde o primeiro dia. É membro executivo da Sociedade Europeia para a Oncologia Médica (ESMO na sigla em inglês) e no passado fim de semana foi um dos anfitriões – e participantes – de um evento que analisou as inovações na oncologia e trouxe a Portugal reputados convidados nacionais e internacionais.

O que são as Conferências CUF – International Meeting on Cancer Innovation?

O objetivo é atualizar médicos e profissionais de saúde sobre as novidades e as abordagens inovadoras no diagnóstico e tratamento do cancro. Tendo em conta que, por um lado, existe um aumento de doentes diagnosticados com cancro, mas também, por outro lado, um dinamismo enorme nos campos da investigação clínica e inovação tecnológica nesta área, parece-nos essencial que estas novas abordagens sejam amplamente divulgadas à comunidade médica. Neste evento contamos com um conjunto de conferencistas muito reputados no seu campo de atuação, demonstrando aos profissionais de saúde que esta área da medicina está a movimentar-se e a avançar, contribuindo para que o diagnóstico de cancro seja encarado com menos receio.

Que inovações relacionadas com o diagnóstico e o tratamento do cancro se têm verificado mais recentemente?

Sem dúvida, a inovação mais impactante é a genética molecular – existem atualmente procedimentos mais compreensivos no diagnóstico que nos ajudam a entender melhor as características do tumor e a maneira como vai evoluir. A genética molecular é uma ferramenta essencial para desenvolver melhores tratamentos no futuro. Outra das áreas de inovação encontra-se ao nível da tecnologia – não só no campo da imagiologia, mas também a cirurgia laparoscópica e robótica, a radioncologia e tratamentos ablativos. Recentemente, a imunoterapia – a capacidade de combater o cancro pelo próprio sistema imunitário do doente, fortalecendo-o e preparando-o para a doença – tem ganho muita importância.

Que tipo de inovações é provável que o futuro traga? 

Estamos na era da “medicina de precisão”, mas ainda no campo do tratamento. Também na área do diagnóstico será necessária mais inovação que passará por técnicas menos invasivas, para as quais contribuirá a nanotecnologia, por exemplo. Esta área reveste-se da maior importância, uma vez que a prevenção, o rastreio e o diagnóstico precoce da doença são determinantes para o sucesso do tratamento. 

Fala-se cada vez mais de uma abordagem multidisciplinar ao cancro. O que significa isso na prática?

De facto, aprendemos que a solução não passa por um especialista em cancro, mas sim uma equipa, com diferentes valências, que deve trabalhar em conjunto, de forma articulada e centrada no doente. A abordagem à doença oncológica é e será sempre multidisciplinar, incluindo especialistas das áreas do diagnóstico, da cirurgia oncológica, da radioncologia e do tratamento com fármacos. Para estes profissionais, a participação em reuniões multidisciplinares de decisão terapêutica, a formação e a standardização de atuação são cruciais. Temos de provar e testar os nossos resultados continuamente, também nestes fóruns. Discutir casos clínicos em equipa, por si só, não é uma medida de qualidade – é uma condição necessária para uma abordagem articulada e centrada no doente. 

Como olha para o número de casos diagnosticados em Portugal?

Há cerca de 50 mil novos casos de cancro, por ano, em Portugal. A nível de comparação europeia, os resultados são positivos, estamos na metade inferior da tabela, o que significa que temos baixa incidência e estamos bem em resultados. 

Como se pode baixar o número de diagnósticos?

Alterando os nossos hábitos de vida – veja-se o exemplo da cessação tabágica, que tem contribuído para baixar as taxas de doentes com cancro de pulmão na maioria dos países da Europa, incluindo Portugal. Se não mudarmos os nossos hábitos de vida, iremos verificar um aumento de diagnósticos de cancro no futuro. Temos de ter presente que o principal risco para um diagnóstico de cancro é simplesmente a idade – o cancro é uma doença da idade avançada, e à medida que aumentamos a esperança média de vida teremos um aumento natural de diagnósticos de cancro.

Que trabalho tem vindo a desenvolver o ICO?

O Instituto CUF de Oncologia agrega todos os recursos de diagnóstico e tratamento oncológico da rede CUF com o objetivo de providenciar os melhores cuidados aos doentes, adequando a expertise necessária na rede a cada caso. Acreditamos que, com o aumento da complexidade, a melhor abordagem não passa pelo “melhor” oncologista ou cirurgião – isto é um conceito velho e ultrapassado. Temos de compreender que a expertise significa que precisamos de identificar os melhores especialistas para as patologias mais raras – e isto leva necessariamente à concentração de casuística e especialização nestes casos.

Por exemplo?

Não faz sentido oferecer cirurgias de alta complexidade, como a ressecação de cancro do reto, em vários locais do país – é um tratamento que tem de estar concentrado em equipas muito diferenciadas e com muita experiência. Por outro lado, se falamos de procedimentos muito standardizados, como a administração de quimioterapia, que foi extensivamente discutida pela equipa multidisciplinar, então os mesmos podem ser feitos descentralizadamente, em unidades mais próximas e com conveniência para os doentes e cuidadores, para conforto dos mesmos. 

Como operacionalizam os tratamentos?

No ICO, o doente beneficia de ambas as realidades – somos um centro oncológico para cuidados muito especializados e inovadores, mas também uma rede com distribuição geográfica para podermos providenciar cuidados mais perto dos doentes. Adicionalmente, o ICO tem–se afirmado como um player importante no campo da investigação básica e clínica, com parcerias desenvolvidas com instituições académicas e científicas em Portugal, bem como com grupos de investigação colaborativos nacionais e internacionais. A aposta na certificação da qualidade clínica, específica em cancro, é também uma área a que nos dedicamos através de programas de certificação e acreditação nacionais e internacionais. Felizmente temos connosco muitos líderes nacionais nas suas patologias, o que contribui para trazer a inovação até aos nossos doentes.

E quanto à prevenção? É preciso consciencializar mais as pessoas ou acha que a sociedade já está, na generalidade, desperta e atenta aos sinais desta doença?

Claro que a prevenção é muito importante e continua a ser, nomeadamente, a nível das alterações nos estilos de vida. O aumento de programas de rastreio tem demonstrado importantes contribuições para a deteção precoce de cancro como, por exemplo, em melanoma, cancro do cólon ou cancro cervical. Contudo, uma abordagem moderna de rastreio e prevenção deve ambicionar identificar as “pessoas em risco”, ao invés do seu historial genético ou comportamental. Muitos programas de rastreio falharam porque não são aceites pela população ou simplesmente porque são rastreios numerosos que englobam muitas pessoas que não estão em risco. Neste sentido, estratégias futuras terão de trabalhar para ter em consideração a identificação da população com maior risco de desenvolver cancro.

Quais os tratamentos mais promissores, de momento, em investigação a nível mundial?

Atualmente existem três áreas de maior desenvolvimento na medicina do cancro: a “medicina de precisão”, sendo a precisão na caracterização da doença por via da genética molecular e, por isso, uma melhor compreensão dos mecanismos e alterações subjacentes. A deteção destas alterações pode, em alguns casos, ser feita através de uma simples colheita de sangue, sem necessidade de uma biópsia ao tumor, que é sempre invasiva. Depois, falamos também a nível dos tratamentos de intervenção, tais como a cirurgia ou a radioterapia, que se têm tornado mais seguras e eficazes, ao utilizarem técnicas de inovação, como o caso da IMRT (intensidade modelada) na radioterapia ou na laparoscopia ou da robótica no caso da cirurgia oncológica. O avanço tecnológico parece ser ilimitado e é incrível que o que agora é standard era tido como impossível de alcançar há alguns anos. Por último, existem novos princípios como o amplo leque das imunoterapias, que usam o sistema de defesas do próprio doente, conseguindo mesmo modelar o sistema imunitário através de fármacos inovadores.

Acredita que podemos vencer a batalha contra o cancro?

Bom, “vencer” é um termo difícil nesta relação. Se a questão é “será a humanidade capaz de erradicar o cancro?”, a resposta é, claramente, não. Contudo, teremos cada vez mais vitórias – mais e mais tipos de cancro terão maior potencialidade de serem curados e, para os incuráveis, teremos gradualmente a capacidade de controlar a doença durante largos períodos de tempo. Tornar-se-á cada vez mais uma doença crónica para muitos doentes, que podem depois viver com qualidade e por muito tempo. Talvez também pudéssemos começar a encarar o cancro não como uma batalha. 

Porquê?

O cancro não é assim tão especial e, apesar dos nossos cuidados e esforços, é uma doença como tantas outras que precisam de abordagens cuidadosas e corajosas, com uma firme aliança entre as exigências da doença e as necessidades dos doentes. Mas não como uma “guerra” que diminui a nossa perspetiva sobre o ser humano.