Fizz. Novos avanços e recuos no caso que envolve a elite angolana

Portugal enviou uma rogatória para Luanda nos últimos dias para que Manuel Vicente seja constituído arguido. Este pedido de cooperação surge na mesma altura em que os restantes arguidos apresentaram a sua contestação para um julgamento que já tem data marcada. Fazem diversas revelações e arrolam testemunhas de peso

A justiça portuguesa quer que Manuel Vicente seja constituído arguido e notificado de todo o conteúdo da acusação, no âmbito da Operação Fizz. O ex-vice–presidente de Angola é suspeito de ter corrompido o procurador do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) Orlando Figueira para que este arquivasse inquéritos em que era visado.

A carta rogatória expedida para Angola no dia 7 pelo juiz Alfredo Costa, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, surge numa altura em que já há data para o início do julgamento (28 de janeiro) e em que os arguidos apresentaram inclusivamente a sua contestação. 

As defesas de Paulo Blanco, arguido e advogado do Estado angolano em diversos inquéritos, e de Armindo Pires, homem de confiança de Manuel Vicente, têm garantido que a acusação do DCIAP não chegou aos reais responsáveis. Blanco chegou mesmo a apontar o dedo a Carlos Silva, presidente do Banco Privado Atlântico (BPA), e ao advogado Proença de Carvalho, que entretanto já reagiu negando a veracidade das acusações (ver págs. 10-11). Também Orlando Figueira apresentou já a sua contestação, em que requer a junção de documentos e arrola testemunhas de peso.

O novo pedido a Angola Na carta rogatória enviada para Angola e a que o i teve acesso pode ler-se que se pretende que o antigo governante angolano seja “constituído arguido nos termos constantes do documento junto, devendo ser-lhe lidos os deveres e direitos processuais aí constantes”. O magistrado solicita assim que seja notificado “de todo o conteúdo da acusação” num prazo de 20 dias.

É ainda referido que o requerimento não está sujeito a formalidades especiais, devendo ser apresentados os argumentos de discordância em relação à acusação.

Na chamada Operação Fizz, Manuel Vicente, Paulo Blanco, Armando Pires e Orlando Figueira estão acusados dos crimes de corrupção, branqueamento de capitais e falsificação de documento.

A posição de Luanda em relação a este caso tem sido a de que a justiça portuguesa não tem competência para julgar Manuel Vicente, uma vez que este goza de imunidade e que a mesma se estende além-fronteiras.

Quanto ao parecer do conselho consultivo da Procuradoria–Geral da República (PGR) sobre a imunidade de Manuel Vicente, pedido em setembro por António Costa, este ainda não foi emitido. Contactada pelo i, fonte oficial da PGR esclareceu que “este foi distribuído ao relator e encontra-se em análise”.

Contestação de Armindo Pires O homem que representava em Portugal os interesses de Manuel Vicente foi acusado dos crimes de branqueamento de capitais e falsificação de documento. Segundo a acusação, teve um papel determinante ao funcionar como intermediário das contrapartidas pagas, juntamente com Paulo Blanco, a Orlando Figueira.

Na sua contestação, Armindo Pires confirma ser amigo de Manuel Vicente, admitindo ser “frequente prestar o seu auxílio em assuntos que este tenha a tratar em Portugal, tendo sido nesse sentido que interveio na contratação do arguido Paulo Blanco”. 

Mas diz desconhecer quaisquer contactos que tenham existido entre Blanco e o procurador Orlando Figueira, sendo apenas uma ponte de contacto entre o advogado e Manuel Vicente. E reforça: “Nunca – sublinha-se nunca! – em qualquer momento o arguido Armindo Perpétuo Pires foi confrontado com um acordo de qualquer natureza para o arquivamento do(s) processo(s) ou outra finalidade.”

Negando qualquer ligação ao esquema descrito na acusação, Armindo Pires refere ainda na contestação enviada ao tribunal que nada sabia das contas de Orlando Figueira, nem sobre a sua contratação após a saída do Ministério Público. Rebate ainda que tenha emprestado, financiado ou sequer transferido quantias para o antigo procurador.

Como testemunhas, o arguido arrolou o procurador-geral da República de Angola, João Maria de Sousa, diversos magistrados do MP português, entre os quais Rosário Teixeira e Cândida Almeida, e o juiz de instrução criminal Carlos Alexandre.

Contestação do procurador A defesa de Orlando Figueira também contestou nos últimos dias que o caso prossiga para julgamento e, nesse sentido, requereu que “seja oficiada a Procuradoria-Geral da República para juntar aos autos a certidão da resposta apresentada pelos então magistrados do DCIAP Cândida Almeida, Rosário Teixeira e Paulo Gonçalves, após reunião havida em 2012/2013 com a PGR, conselheira Joana Marques Vidal, a propósito dos processos que então corriam no DCIAP e que envolviam Altas figuras do Estado Angolano”. Para reforçar o acompanhamento desses casos ao mais alto nível, lembra que sobre esses processos, o então “Ministro dos Negócios Estrangeiros, Dr. Rui Macete, se pronunciou, por várias vezes, nos órgãos de comunicação social”.

Requereu ainda que fosse trazida ao processo uma certidão do procedimento disciplinar aberto em 2013 a Cândida Almeida, então diretora do DCIAP, e aos procuradores Rosário Teixeira e Paulo Gonçalves – altura em que várias notícias davam conta de que havia ordens para que os processos a envolver grandes figuras do Estado angolano avançassem.

A defesa de Orlando Figueira também pediu que fossem arrolados como testemunhas diversos magistrados, entre os quais Cândida Almeida, Teresa Sanchez (procuradora do DCIAP), o juiz Carlos Alexandre e o procurador José Niza. No rol de testemunhas aparece ainda o nome do advogado Daniel Proença de Carvalho. 

Procurador sem defesa Ontem foi tornado público que os advogados da CuatreCasas que representavam o magistrado tinham renunciado ao mandato que lhes foi conferido por Orlando Figueira. 

A equipa de advogados que defendia o procurador era composta por Paulo Sá e Cunha, Miguel Coutinho, Marta Saramago de Almeida, Carolina Mouraz, Rita Travassos Pimentel e Cátia Muchacho.

O i tentou contactar sem sucesso Paulo Sá e Cunha. O advogado disse, no entanto, à Lusa que não podia comunicar o porquê de tal renúncia “por respeito ao dever de sigilo profissional”.