Morte acidental pela polícia. Uma história contada em três atos

Uma mulher morreu ontem durante uma perseguição policial em Lisboa. Apesar de grave, esta situação está longe de ser única. Em dez anos – entre 2006 e 2016 – morreram 31 pessoas em consequência de operações policiais

Apesar de ter um fio condutor, esta é uma história contada em três atos.

Tudo começou às 3h05 de quarta-feira com um assalto por arrombamento no Pragal, em Almada, a uma caixa multibanco. A informação foi difundida pelo dispositivo policial das imediações, mas só na Segunda Circular, em Lisboa, no sentido Benfica-Sacavém, é que foi detetada uma viatura suspeita com as características correspondentes à usada no furto. 

Neste segundo ato, os suspeitos, ao aperceberem-se da presença da polícia, fugiram em direção à Rotunda do Relógio, circulando a alta velocidade e em contramão. Já perto do aeroporto, dispararam contra os agentes que os perseguiam, que responderam também com disparos.

O último e derradeiro ato acontece às 3h35, na zona da Encarnação, junto ao aeroporto, quando a polícia deteta uma viatura “que aparentava corresponder às características da viatura suspeita”, explica a PSP em comunicado. No entanto, o i sabe que o carro usado no assalto, e que entretanto já foi apreendido pelas autoridades, era um Seat, enquanto o detetado mais tarde era da marca Renault.

Em comum, segundo o que o i apurou, tinham apenas a cor escura e o pormenor de circularem com as luzes apagadas, pormenor esse que fez com que a polícia o intercetasse. O condutor não obedeceu à ordem de paragem e seguiu em direção aos polícias, tentando atropelá-los, o que obrigou a polícia a recorrer a armas de fogo. Nesse tiroteio, uma mulher de 36 anos, que viajava ao lado do condutor, acabou atingida no pescoço e morreu no local. O homem que conduzia a viatura foi detido por condução sem habilitação legal, por desobediência ao sinal de paragem e por condução perigosa.

Mortes em operações policiais

A fiscalização da atividade das forças de segurança cabe à Inspeção-Geral da Administração Interna (IGAI), que elabora todos os anos um relatório de atividades. O documento mais recente disponível remonta ao ano de 2016 e, no que diz respeito às vítimas mortais em consequência de operação policial, o panorama não é animador: em dez anos, a ação da PSP e da GNR provocou a morte a 31 pessoas.

Se durante dois anos consecutivos, em 2014 e 2015, nenhum cidadão morreu no âmbito de operações policiais, a tendência mudou radicalmente em 2016. Nesse ano, o relatório dá conta de que a ação policial resultou em quatro vítimas mortais – três pela mão de agentes da PSP e uma por responsabilidade de militares da GNR. 
O relatório compila o número de vítimas mortais resultantes da ação das duas forças de segurança, PSP e GNR, entre 2006 e 2016. Os números não eram tão graves desde 2008, 2009 e 2010, três anos em que morreram, consecutivamente, cinco pessoas. Durante esses dez anos, foi a PSP a responsável por mais vítimas: 16. No mesmo período, a atuação da GNR causou 15 vítimas mortais.

De referir ainda que o IGAI recebeu, em 2016, sete queixas dirigidas à PSP relativas à utilização de arma de fogo (ferimento e/ou ameaça com arma). Nenhuma foi apresentada contra a GNR. Já quanto às ofensas à integridade física, no mesmo ano, o IGAI recebeu 170 queixas relativas a agentes da PSP, e 82 a militares da GNR.

Consequências Este tiroteio também já está a ser investigado pela Inspeção Geral da Administração Interna, como é norma nestes casos. Além disso, paralelamente, a Polícia Judiciária já deu início a uma investigação.

Nestas situações, as armas dos agentes envolvidos no tiroteio são recolhidas para exames, para que se confirme a quem pertencem e se foram ou não usadas nos disparos. O i sabe que os sete agentes envolvidos foram dispensados durante pelo menos 24 horas, mas não estão suspensos das suas funções. Segundo a TVI24, a Polícia Judiciária alterou a qualidade em que os polícias vão ser ouvidos no processo, tendo passado de arguidos a testemunhas. Os agentes pertencem à equipa de intervenção rápida de Loures.